domingo, 20 de julho de 2008

Capítulo 12: A Enfermeira e Anne Marrie

Marceline brincava no quintal com Olivier enquanto a babá Luzia os vigiava de longe com sua cara de brava, mas com o coração de uma fada. A casa ao fundo era incrivelmente gigante, minto. (Eu exagerei um pouco aqui). Era grande comparada às outras, mas não era nada ostentoso, até tinha um ar de mal acabada. E realmente era. As madeiras que a cercavam já estavam velhas e meio soltas. Alice havia pedido a Luís que mandassem reformar, mas a vida dos dois nos últimos anos havia mudado bastante desde o tempo da faculdade. O Salude agora era uma das clínicas particulares mais procuradas de São Paulo, o bom trabalho e o investimento de Luís e Alice fizeram do lugar um bom exemplo de dedicação e competência, mas Otton atrapalhou os planos de Luís que pretendia ampliar o seu negócio junto com a esposa. Não por implicância como era de costume da parte dele, mas pelo triste fato de seu falecimento. Com a morte de Otton, Alice teve que assumir as rédeas da Clínica Bom Viver (a clínica da família) e o trabalho junto ao marido ficou impossível. Cada um trabalhando de um lado da cidade, ele bem próximo de casa no Salude e ela bem ao centro onde ficava a clínica. Mas eram uma família perfeitinha, o estilinho americano de vida. Os filhos em uma boa escola, empregos seguros, uma babá confiável e outros detalhes que os tornavam felizes, ah um cachorro. Não poderia faltar não é mesmo? Se isso fosse uma história fictícia diriam que foi tudo planejado.
Luzia já tinha idade para ser avó das crianças, vivia uma vida solitária e não rejeitava o fato de ter que dormir no trabalho assim evitava voltar para sua casa em Minas Gerais. Nos feriados e em datas especiais para a família dela os patrões a deixavam ir até Minas visitar os parentes e conhecidos. A vida foi cruel e rude para ela, mas por fim ela encontrou o melhor lugar de todos para dedicar os últimos anos de sua vida. Nos anos seguintes ela viria a morrer, mas isso eu prefiro não comentar por agora. As crianças a respeitavam como foram ensinadas a fazer, mas às vezes a pequena Marceline a destratava e se sobressaía na situação por ser a “patroa”, mas isso não fazia Luzia deixar de amá-la, nem a ela e nem a Olivier que sempre foi doce e gentil com a, como dizia ele, Vovó.
Olivier era o mais velho dos filhos do casal. Tinha já seus quinze anos e ao contrário das outras crianças da sua idade ele era bem caseiro e pensava no futuro. Preocupado com sua carreira ele revidava sempre o pai quando ele mencionava a palavra médico. O sonho pela arte era descomunal, dono de um talento excepcional para pintura ele já rabiscava suas pequenas obras-primas. Alice adorava o interesse do filho pela arte e o apoiava em todas suas decisões em relação a uma possível carreira, já Luís não era todo sorrisos como a esposa, ele realmente queria que o filho seguisse carreira médica como ele e a mãe, mas não o reprimia ou o julgava por algo mas também não escondia seu desapontamento. Olivier não ligava muito desde que ele pagasse a escola de artes. Marceline tinha apenas 7 anos e era bem diferente do irmão, era mimada e soberba na maioria das vezes, com uma personalidade muito forte ela já era bem responsável e bem imponente nas suas decisões. Ela parecia bastante com sua tia que nunca a viu. Mas ela e Olivier estavam perto de conhecer a tia, a que tanto ouviram falar durante anos. Alice evitava que eles vissem os jornais e as revistas com medo de que eles lessem algo sobre a tia que não gostariam de saber, mas ela não podia controlar os cliques na internet.

Enquanto Marceline corria atrás de Olivier em volta da piscina, Bob o cachorro os perseguia ameaçando lançá-los na piscina a qualquer momento e de longe Luzia ria dos três patetas se divertindo. Olivier e Marceline pararam de repente ao ouvirem o barulho do carro entrando na garagem a frente da casa, Bob topou nos dois quando sem que ele percebesse seus donos pararam abruptamente. Luzia levantou num salto e fez sinal as crianças para que entrassem rapidamente. Nos corpos dos dois as roupinhas compradas especialmente para receber a titia, e na mente a curiosidade os assustava e a excitação diante do encontro fazia o coração de ambos baterem forte debaixo das costelas. Passando pelos cômodos que faziam da casa uma grande casa, e isso quer dizer muitos cômodos, eles correram até a sala e se fincaram diante da porta, enfileirados para ver a tia entrando. Luzia vinha logo atrás tentando disfarçar a curiosidade de ver Anne Marrie de perto. A porta abriu devagar e Luís entrou primeiro enquanto Alice e Anne se desvencilhavam dos repórteres do lado de fora.
_Ah crianças vocês já estão aí? _Disse Luís assustado ao vê-los esperando tão comportadamente, isso incluía a babá.
Passados alguns segundos depois de tanta gritaria do outro lado da porta Alice entrou com Anne ao seu lado.
_Meu Deus, nem depois de tanto tempo esse povo não nos dá sossego. _Disse Alice.
_Isso me deixa triste, ver que isso ainda continua igual. _Disse Anne. _A imprensa continua sendo a... imprensa.
Anne parou e olhou para as crianças que a encaravam encantados, eles até a tinham visto em fotos, mas não podiam imaginar que 20 anos de prisão não fizessem nenhuma diferença na aparência da tia. Ela não era somente bonita, era mágica, soltava no ar pequenas partículas que brilhavam ao seu redor, ela tinha luz, a emitia e quando abriu um sorriso, de longe o mais lindo que já haviam visto em suas curtas vidas, a beleza soberba invadiu seus olhinhos. Anne só conseguiu sorrir ao ver depois de tanto tempo uma criança, mal havia parado para pensar que conheceria seus sobrinhos. E eles continuavam a encará-la e sorriam para a mãe para que ela fizesse as honras de apresentá-los. Eles queriam tocá-la logo para ver se ela era de verdade.
_Ah é Anne eu nem lembrei de falar deles. Eles não falam em outra coisa a não ser em você. _Começou Alice. _Anne, esses são Marceline e Olivier, meus filhos.
Anne sorriu e abriu os braços para abraçá-los e eles não viram oportunidade melhor para agarrar a bela tia. Num piscar de olhos os dois já apertavam os braçinhos em volta de Anne que retribuiu o abraço com carinho e logo pensou no seu filho que aquela altura já estava bem maiorzinho.
_Meu Deus que abraço gostoso! _Disse Anne quando os meninos finalmente a soltaram.
_Tia porque você estava presa? _Perguntou Marceline.
_Marceline! _Disseram quase todos da sala ao mesmo tempo com exceção de Anne.
_Calma crianças, a tia de vocês tem que descansar agora. _Disse Luís. _E o que foi que eu disse sobre as perguntas heim dona Marceline?
_Nada de perguntas sobre a prisão. _Respondeu Marceline abaixando a cabeça.
_Ah não fica assim Marceline, depois a titia te conta tudo. _Disse Anne. _Prometo que respondo todas suas perguntas. Todas.
_Tá legal. _Disse Marceline.
_E você rapazinho não vai falar nada com sua tia não? _Perguntou Alice.
_O que foi, está com vergonha? _Perguntou Anne.
_Liga não ele é assim mesmo, quietinho. _Disse Luís.
_Seja bem-vinda tia. _Estendeu a mão Olivier.
_Ai, obrigada Olivier. _Disse Anne sorrindo.
_Agora vamos subir que eu vou te mostrar seu quarto. _Disse Alice.
_Ah claro. _Disse Anne antes de se abaixar para falar com as crianças. _Daqui a pouco eu desço pra vocês me mostrarem a casa toda está bem?
_Tá. _Responderam os dois juntos.
Deixando os quatro na sala Anne e Alice seguiram para o segundo andar da casa. No caminho, penduradas nas paredes Anne viu várias fotos que adornavam o caminho até o quarto. Ao contrário do antigo apartamento da família, a decoração da casa de Alice era bem simples e quase sem luxo, tudo era bem familiar e entre os porta-retratos Anne até encontrou um em que ela, Alice, Otton e Ellen posavam felizes sentados num sofá florido.
_Anne você está ótima, o que você estava fazendo lá dentro, malhando? _Disse Alice que já não estava na sua melhor forma. _Ou tinha aplicação de botóx todos os fim de semanas lá?
_O quê que é isso mesmo? _Perguntou Anne, enquanto Alice ria.
_Nada. _Disse Alice. _Mas é serio, você vai ver amanhã as revistas só vão falar disso, de como você entrou na prisão pior do que saiu.
_Pára Alice! Eu era bem mais bonitinha. _Disse Anne, que não gostava da sua aparência juvenil. _Eu até já reparei que eu tenho um pé-de-galinha aqui oh.
_Que pé-de-galinha o quê. _Disse Alice. _Você tem é vergonha da sua carinha de neném.
_Eu pensei que quando eu tivesse essa idade eu já estaria mais velha. _Disse Anne seria. _Não é possível, eu vou ter sempre essa carinha de neném.
_Ah, se a Marta Suplicy ouvir você reclamando disso, ela te mata. _Disse Alice rindo à beça.
Anne não entendeu muito a piada, mas sorriu gentilmente.
_Pode deixar que depois eu mando o Olivier te atualizar pela internet. _Disse Alice.
_Ai eu estou louca pra mexer nesse tal de internet, lá na penitenciaria não se falava em outra coisa. _Disse Anne.
_O Olivier te ensina a mexer e daqui a pouco você já está sabendo de tudo. _Disse Alice. _Dá pra fazer tudo por ela, dá pra comprar, pagar conta e até arrumar namorado.
Alice se arrependeu de dizer aquelas palavras à Anne, vai saber quando ela pode se apaixonar de novo, sei lá por um cara que clona cartões. Imagina.
_Sério? _Perguntou Anne.
_Mas é bem perigoso, do mesmo jeito que ela ajuda muito todo mundo, também tem muita porcaria. _Disse Alice. _Muitas pessoas já tomaram cano, foram enganadas e até morreram por causa da internet.
Anne ficou calada diante do olhar repressor que Alice sabia muito bem fazer.
As duas enfim chegaram ao quarto de hóspedes. Ao abrir a porta Alice foi até a janela e puxou as cortinas para os cantos, fazendo a luz do sol entrar e iluminar todo o quarto. O quarto era simples e aconchegante como o resto da casa, tinha uma aparência fofa. E digo isso no sentido literário. Parecia que era todo coberto por espumas e não era. O papel de parede lembrava grandes lençóis indianos e a cama forrada com uma linda colcha de retalhos dava ao quartinho um jeitinho todo especial, juntamente com as almofadas jogadas no chão a um canto. As duas entraram e sentaram na cama, depois de Anne elogiar a decoração, o espaço quentinho e cheiroso no qual iria dormir nos próximos dias até conseguir arrumar um lugar pra ficar.
_Você está doidinha como sempre não é. _Disse Alice sorrindo. _Dá pra ver nos seus olhinhos ainda o mesmo brilho que eu via antes.
_Sério? _Disse Anne. _Mas eu acho que eu não mudei muito mesmo não, ainda quero encontrar meu filho e talvez isso tenha me feito esquecer de amadurecer.
_Deus me livre, fica longe de confusão em Anne, agora eu tenho filhos e marido viu sua doida! Eu não vou dar conta de cuidar de vocês todos. _Disse Alice.
_Calma Lice. _Disse Anne. _Agora eu já tenho 38. Eu sei o que estou fazendo.
_Eu to vendo ai oh, que você já está pensando em alguma coisa. _Disse Alice. _Eu já aprendi a ler sua mente menina, já previ tanta coisa.
_Eu mudei. _Disse Anne.
_Não parece. _Disse Alice. _Você mesmo disse que não sentiu que mudou, você ainda está cega para encontrar seu filho.
_Estou mesmo. E agora eu vou fazer a coisa certa, nada de morte eu vou procurar sozinha porque se eu precisar da policia para me ajudar eu estou fodida. _Disse Anne.
_Hum, fora da lei! _Disse Alice. _Até odiar a policia você odeia, parece uma ex-presidiária.
_E eu não sou? _Perguntou Anne sorrindo.
_Infelizmente é. _Disse Alice segurando uma risadinha. _Mas aqui Anne, nada de falar sobre o Humberto, as mortes e seus 20 anos na prisão pros garotos, ouviu?
_Claro que eu não vou falar né Alice. _Disse Anne.
_Bom mesmo, porque eles podem até saber de alguma coisa, mas nunca vão ter coragem de perguntar sobre o que é. _Disse Alice.
_Diga isso pra Marceline. _Disse Anne.
_Mas não responde, não entre na jogada dela. Aquela menina é esperta. _Disse Alice. _Ela vai tentar arrancar a verdade de você.
_Mas pode deixar. Eu vou tentar sair bem dessa. _Disse Anne.
_Ela parece com você em muitas coisas. _Disse Alice.
_Coitadinha. _Disse Anne.
_Como coitadinha? _Disse Alice.
_Lice cá pra nós, a minha vida não foi um exemplo pra ninguém. _Disse Anne.
_Ah mais isso aconteceu porque você não teve sorte de encontrar o cara certo. _Disse Alice.
_Mas ela é menos impulsiva que eu não? _Perguntou Anne. _Sei lá ela não ama demais igual eu.
_Olha você tem consciência disso! _Disse Alice. _Que bom. Pelo menos disso você tem certeza agora.
_Cuidado porque eu to adorando essa cama e eu vou matar a colcha por estar abraçando ela. _Disse Anne sorrindo e se deitando de costas na cama.
Alice sorriu e repetiu o gesto da irmã.
_Pára de fazer piada. _Disse Alice. _Mas não, ela não ama assim como você, na verdade ela não chega nem perto disso. Ela demora bastante a se afeiçoar as pessoas.
Marceline entrou pelo quarto, correu até Anne e assegurou nos pulsos com suas mãozinhas miúdas.
_Vem tia, vem me ajudar a fazer bolo. A Luzia vai ajudar. _Disse Marceline em cima da cama. _Vem, vem!
_Calma Marceline! _Disse Alice sorrindo.
_Eu não sei fazer bolo Marcel. _Disse Anne a Marceline. _Eu não sei nem fritar ovo.
_Vai Anne, você tem que aprender um monte de coisas mesmo, é bom começar pela cozinha. _Disse Alice.
_Está bem. _Disse Anne. _Vai indo que a tia vai atrás de você meu bem.
Anne deu um beijo em Marceline antes que ela sumisse correndo pelo corredor.
_Ela não é nem um pouco impulsiva? _Disse Anne sorrindo. _Acho melhor você rever seus conceitos a respeito dela.
_Ela é um amor, assim como você. _Disse Alice. _Eu senti saudades suas irmã.
_Eu também. _Disse Anne.
As duas se abraçaram como não faziam a muito tempo, o calor fraternal invadiu o peito de ambas e as lágrimas escorreram quase no instante em que se tocaram.
As duas seguiram pelo corredor de mãos dadas.
_Ela é linda, eu vou adorar viver aqui com vocês. _Disse Anne. _Depois eu quero ver os quadros do Olivier.
_Claro, depois você vai à oficina lá fora pra você ver, ele é muito talentoso. _Disse Alice.
Alice encarou a irmã por um breve momento e procurava em suas memórias alguma lembrança em que Anne pareceu tão radiante e tão solidária com crianças. E não conseguiu achar nada. Anne nunca teve uma boa relação com elas. Alice achava que a busca incessante pelo bebê antes da prisão fosse mais uma encenação e não um real amor materno e sim mais uma fez prova do amor dela a Humberto. Mas depois desses vinte anos Alice reconheceu que estava enganada, ela podia ver que sua irmã havia adquirido uma leve maturidade resultada de um longo confinamento que com certeza a fez pensar muito mais nos seus atos irresponsáveis a fazendo refletir somente em coisas boas. Pela primeira vez Alice viu em Anne um fio de sanidade, uma gota de normalidade. O coração dela agora era de mãe e não se limitava a amar somente uma pessoa como antes.
_Você está diferente. _Disse Alice.
_O quê? _Perguntou Anne sem entender a irmã.
_Você! _Disse Alice. _Olha como você está tratando meus filhos.
_O que é que tem de errado? _Perguntou Anne preocupada.
_Nada Anne. _Disse Alice. _É uma coisa boa. Pela primeira vez eu vejo em você uma mãe.
Anne ficou sem palavras.
_Você nunca tratou crianças desse jeito tão carinhoso. _Disse Alice.
_Ah deve ser amor de tia. _Disse Anne sem graça.
_Não. Deve ser amor de novo. Só amor, sem conseqüências. _Disse Alice. _É bom senti-lo não é?
_É. _Mentiu Anne que sabia que o amor havia feito mais estragos em sua vida do qualquer outro sentimento, ele quase a levou a loucura.

A tarde foi de longe a mais perfeita depois desses vinte anos. Bolo de chocolate feito pelas meninas, pintura com dedos no quintal dos fundos, piscina, filme com pipoca e chocolate quente antes de ir dormir já de noite.

Quantas maravilhas o mundo moderno trouxe. A chance de falar com qualquer pessoa de qualquer lugar diferente pelo celular era encantador, fácil, e a cada dia se tornava mais comum entre as pessoas e a cada dia eles ficavam menores, bem menores. É ate difícil imaginar os futuros modelos de celulares, arrisco dizer que vai chegar um dia em que a gente vai colocar uma balinha na boca e um brinquinho na orelha ligados por um fio e pronto. É só falar. A internet se destacava entre a maior novidade para Anne, a mais fantástica invenção da terra. Era quase que uma arma a mais a seu favor, Alice temia quando Anne sentava a frente do computador e a vigiava constantemente. Nos anos 80 ela já fez o que fez, imaginem agora com o orkut a sua disposição. Fora a TV de plasma, o LCD, o reality show, afinal quando você pode exercer a função de Voyeur no conforto da sua casa e meses depois ter carne nova nas revistas para publico adulto. O DVD, a TV a cabo, os efeitos especiais, A máquina digital, o youtube e por fim, não que isso encerre a lista de maravilhas da Anne, mas sim a minha neste espaço, o Ipod. Deixo claro que a ordem das maravilhas não numera as primeiras como melhores e nem as ultimas como “não gostei tanto assim”. E só pra constar, eu nada tenho a ver com essa lista, na verdade não vejo utilidade nenhuma em todos esses produtos, lógico que exagerei ao escrever isso, mas tenho outra lista se quiser saber das minhas maravilhas do mundo moderno. Mas como já disse antes, essa história é de Anne Marrie e nada tenho eu que dar minha opinião sobre nada. Eu só conto a história.
Mas vamos parar com a prosa e voltar aos fatos.

O mês foi maravilhoso e ao contrário do que esperava Anne se deu melhor com Olivier do que com Marceline. A menina se mostrou bem parecida com ela e sabemos que personalidades idênticas não se dão muito bem. O altear de espírito, situação financeira, e beleza de Marceline irritavam Anne a todo tempo sem que ela mesma percebesse que isso a ocorria de vez em quando, não tão frequentemente como na garotinha, mas acontecia. Olivier era como Alice sempre dizia a ela nas visitas à penitenciaria, um talentoso pintor, inspirado pela beleza da tia, que havia se tornado sua melhor amiga, já que ele não tinha muitas amizades, ele começara a desenha-la num quadro e se mostrava dedicado deixando até de comer as vezes. Anne não se preocupava muito com isso, só queria que o quadro ficasse logo pronto, curiosa como ela era, já Alice alertava-o a todo o momento:
_Largue esse quadro e vá comer Olivier.
Luís numa visita a oficina do filho no quintal se chocou ao ver o quadro de Anne, era insanamente perfeito, machucava os olhos tamanha beleza. Tinha glamour e elegância e na ponta dos pincéis a essência de Anne Marrie, a inocência dela. Olivier a cada dia aprimorava mais seu talento, era um esplêndido pintor.
Anne sabia, percebia que Olivier era diferente dos outros garotos, era delicado, educado, dedicado as artes, a cultura, tinha um lado mais infantil e nunca havia tido namorada. Ela sabia que o sobrinho talvez optasse pela arte a fim de se dedicar em tempo integral a ela ao invés de ter que se preocupar em relacionar com outras garotas e esconder o fato de que isso não o agradaria, já se falassem em algum garoto isso mudaria suas idéias. Todos sabiam que Olivier era diferente, não digo especial, mas diferente. Era simples quando ele pensava que o fato de ele gostar de garotos, era simplesmente o fato que ele gostava de garotos, isso não o tornava pior do que ninguém, era somente o gosto natural por homens ao invés de mulheres. Queria ele que seus pais pensassem assim e o resto do mundo também. Alice e Luís já haviam chegado a conversar sobre esse assunto e somente uma vez isso aconteceu. O fato do filho deles ser gay era uma conversa delicada e perturbadora, destilava a educação dada a ele durante esses anos todos, suas atitudes, tudo. Uma busca sem sucesso de onde, em que momento havia acontecido uma falha, um erro que transformou o primogênito da família em um garoto anormal. Não se deixem levar por essa palavra, ela só quer dizer que ele foge aos padrões pregados a um garoto. Mas o assunto era evitado sempre pelos pais, por Anne e por ele mesmo. Olivier sabia do que comentavam, por que ao invés de seus parentes queridos os outros na escola, na rua, na vizinhança o taxavam sempre como o "Pintor veadinho". E para humilhá-lo sempre usavam a velha piada: Você pinta como eu pinto? Que pra ele não tinha graça alguma. Quando ouvia insultos, piadas e conversas desse tipo ele apenas fingia que não as ouvia e às vezes tentava se enganar de que não era gay, na ilusão de que isso mostraria aos outros o que ele tentava acreditar: Que ele não era gay. Havia algumas vezes ele tentado namorar com algumas garotas, ele não tinha nojo, nem as repugnava e quando as beijava, mesmo que por algumas poucas vezes, sentia prazer, tesão e isso o confundiam. Mas o desejo por homens era mais forte, mas na sua inútil tentativa de ser heterossexual ele se surpreendia quando via suas atenções voltadas a um homem. Para sua felicidade ele nunca havia se apaixonado por nenhum garoto, digo isso pelo currículo de amores da família que sempre amaram intensamente e isso atrapalharia todo seu disfarce. Mas mesmo que ele soubesse e se deixava enganar do contrario todos sabiam da verdade. Os pais mesmo sabendo tentavam evitar a verdade a fim de torná-la menos dolorosa, mas se algum dia o assunto viesse à tona ou Olivier estivesse à vontade o bastante para se assumir eles encarariam o fato de frente e amariam o filho de todo o jeito, se não o fizessem já o teriam reprimido, pois a todo tempo sabiam da opção sexual do filho e o fato de ele apenas falar o óbvio não mudaria nada. Não havia preconceito naquela casa, de nenhuma natureza.

(Teste: Para você saber se você não é preconceituoso veja o filme O segredo de Brokeback Mountain e se você não tiver nenhuma repulsa ou não fechar os olhos para evitar ver alguma coisa então pode ter certeza que você não é preconceituoso. Isso porque esse filme nem é dos mais picantes dos muitos filmes gays que existem por ai. Mas pra começar esse é ideal.)

Anne até gostaria de conversar com Olivier sobre o assunto, mas não sabia como começar uma conversa dessas. Ela percebia a infelicidade dele apesar de ele fingir ter auto-estima ao invés de enfrentar seus problemas com ele mesmo e Anne pensava que poderia ajudá-lo com isso. Mas vamos deixar isso pra depois e resumir o segundo mês de Anne morando com a família Vasconcelos. O médico Luís Vasconcelos se zangou menos do que imaginava com a presença da cunhada debaixo do seu teto, Anne se mantinha a maior parte do tempo fora de casa à procura de mais uma pista de seu filho ou no quarto em frente ao computador também em busca de mais pistas. Mas 20 anos só fez apagar o pouco que restava das provas do seqüestro, era uma missão quase impossível descobrir quem foi o homem que fingiu ser o Humberto para pegar o filho de Anne, Gérard, segundo ela. Vamos presumir que essa pessoa que tenha pegado o bebê seja alguém ligado a Anne, alguém bem próximo dela e que a odeie do fundo da alma. Você conhece alguém que odeie Anne Marie tanto assim? Eu digo serio, alguém que tenha motivos o bastante para acabar com a vida dela como fez? Não sei, quem poderia ser? Humberto? Opa, ele já esta morto não é? Difícil pensar em outra pessoa, pois os problemas de Anne se resumiam a ele.

A Clínica Bom Viver estava bem diferente do que havia sido há 20 anos atrás, a tecnologia havia passado por ela, da decoração aos aparelhos médicos. Anne conheceu as novas instalações da clínica e conversou com as novas enfermeiras do local que ficaram curiosas sobre a historia de vida dela, mas tinha uma em especial que chamou a atenção. Ao contrário das outras essa enfermeira era bem velha, e Anne não se zangou quando ela se aproximou com os olhinhos curiosos próximo ao consultório de Alice:
_Ei tudo bem?
_Tudo bem. _Disse a velha Enfermeira. _A senhorita é a Anne não é?
_Sou eu sim. _Disse Anne.
_Eu vi o jornal, quando você saiu e quando você foi presa. _Disse a Enfermeira. _Desculpa.
_Sem problemas, eu já estou acostumada. _Disse Anne.
_Eu conheci seu pai, ele acreditava em você, ele te amava. _Disse a Enfermeira.
_Obrigada. _Disse Anne. _Você conheceu meu pai?
_Conheci, eu conheço você também, sua irmã, sua família toda. _Disse a Enfermeira. _Eu trabalho aqui há muito tempo.
_Há muito tempo? _Perguntou Anne. _Eu não me lembro de você.
_Eu estava aqui quando seu bebê foi roubado. _Disse a Enfermeira.
_O quê? _Disse Anne que estranhou o assunto repentino da enfermeira.
_Eu vi o seu bebê ser roubado. _Disse a enfermeira. _Eu estava aqui.
_Mas porque você está me falando isso? _Disse Anne.
_Não sei, não sei o que te dizer. _Disse a Enfermeira. _Eu entendo a sua dor.
_Obrigada de novo, mas esse assunto me perturba ainda. _Disse a Enfermeira. _Eu preferiria se você não falasse sobre isso.
_Desculpa, é que eu realmente entendo a sua dor, eu já perdi um filho. _Disse a Enfermeira. _Me desculpe mesmo, eu não deveria estar falando sobre isso com a senhorita.
_É que eu ainda estou meio... _Disse Anne.
_Eu entendo. _Disse a Enfermeira. _Mas eu posso te ajudar.
_O quê? Eu não estou te entendendo. _Disse Anne. _Agora eu tenho que ir mesmo, desculpa.
_Eu vi quem levou seu filho. _Disse a Enfermeira.
_Isso todo o mundo já me disse. _Disse Anne. _Me dá licença que eu tenho que ir.
_Eu sei que a senhorita deve estar pensando que eu quero levar o seu dinheiro. Mas eu posso te ajudar. _Disse a Enfermeira segurando o braço de Anne quando ela ameaçou dar as costas.
_Me larga! A senhora esta se descontrolando. _Disse Anne tentando se livrar das mãos da enfermeira.
_Você não pode ir embora sem me ouvir. _Disse a Enfermeira.
_Posso sim. _Disse Anne. _Agora me larga se não eu vou ser obrigada a falar de você para minha irmã.
_Pode falar, você tem que ouvir o que eu tenho a dizer. _Disse a Enfermeira. _Pelo seu pai.
_Que pelo meu pai, me larga. _Disse Anne que enfim se livrou das mãos da Enfermeira e seguiu para o consultório da irmã que ficava no fim do corredor.
_VOCÊ VAI SE ARREPENDER! _Gritou a Enfermeira temendo que Anne não ouvisse o que ela tinha pra falar.
Anne para evitar mais boatos, se virou e fechou os olhos tentando não acreditar na situação.
_Eu vou te dar uma chance, fala o que é. _Disse Anne se aproximando novamente da Enfermeira.
_Eu posso te ajudar. _Disse a Enfermeira que parecia estar transtornada, ela suava muito na testa e não escondia o nervosismo.
_Não. Não pode. _Disse Anne. _Mas eu vou te dar ouvidos por que eu estou com dó da senhora. Mas saiba que depois dessa conversa a senhora estará despedida.
Anne pareceu MArceline ao dizer isso.
_Eu não me importo. _Disse a Enfermeira.
_A senhora é louca? _Disse Anne. _O que você quer? Pra quê isso tudo?
_Pra te ajudar. _Disse a Enfermeira.
_O que é tão importante assim? _Disse Anne. _Você sabe o nome, e o endereço do seqüestrador?
_Não, mas... _Tentou a Enfermeira.
_Então creio que a senhora não pode me ajudar. _Disse Anne irritada e voltou a dar as costas a velhota.
_Eu tenho a identidade dele. _Disse a Enfermeira séria.
Anne virou lentamente e como não fazia há muito tempo, sorriu. A natureza desse sorriso era de nervoso e surpresa diante de uma situação constrangedora.
_O quê? _Perguntou Anne descrente. _A senhora está me dizendo que tem a identidade do seqüestrador?
_Isso. Eu tenho a identidade dele. A mesma que ele deixou aqui no hospital quando roubou sua criança. _Disse a Enfermeira.
_A senhora está passando de todos os limites. _Disse Anne ainda descrente.
_Vamos até a cantina que eu te conto toda a história. _Disse a Enfermeira.
_Eu não vou a lugar nenhum com a senhora. _Disse Anne nervosa. _A senhora está fazendo uma coisa muito erra...
_Venha tomar um café e eu vou te contar a história. _Disse a Enfermeira. _Eu não estou mentindo, eu só quero te ajudar.

Quem será essa velha enfermeira louca? Essa história estava mesmo precisando de um personagem bem louco. Ah esqueci que a protagonista já tem esse título.

A conversa da Enfermeira com Anne Marrie pode ser bastante reveladora. Ou não. As milhares de dúvidas que nesse momento assombram sua mente também ocorreram a Anne naquele corredor frio de hospital. E que tragam o cafezinho!

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