Um a um os jurados adentraram a sala e se acomodaram cada um o seu lugar. O juiz presente não foi nada gentil com nossa Anne. O machismo da época ainda era maior do que hoje, não que uma juíza fosse mais gentil, devidos aos fatos do homicídio duplo, mas quem sabe lá no fundo, na famosa e misteriosa intuição feminina ela entendesse Marrie.
_Então, qual é a decisão do Júri? _Disse o juiz ao júri.
Às vezes na cela Anne se colocava a pensar que os últimos acontecimentos foram um pouco culpa da sorte, da falta dela pra falar a verdade. A morte de Poliana foi realmente um acidente, e pra Anne a de Humberto também. Ele não devia ter aparecido no caminho dela antes de ela ver que Amanda não era exatamente o seu filho. Para uma pessoa normal isso não é sorte não, é só um incontrolável desejo assassino de vingança. Mas eu juro por nossa assassina que ela não iria matar ele se ela visse que o neném não era o seu. Agora depois de tudo ela realmente não se arrependia de nenhuma das mortes apesar de não ter a intenção de matar Poliana. O mundo sem Humberto era um pouco mais colorido, feliz e leve. Não tinha preocupação, nem uma luta injusta contra o coração para deixar de amá-lo. Era bom pensar que agora o único grande amor de Anne Marrie era seu bebê, e isso não era exatamente bom se pensarmos que o bebê ainda não havia aparecido e isso perturbava Anne as noites as tardes e os dias.
Um dos júris se levantou do assento:
_O Júri declara que a ré Anne Marrie DeVille de 18 anos é culpada. _Disse um velhote.
_A ré queira se por de pé. _Disse o Juiz um pouco antes de todos na corte se levantarem.
Era de se esperar esse resultado e então veio a confirmação:
_O Tribunal do Júri de São Paulo condena hoje dia 10 de setembro de 1988 a ré Anne Marrie DeVille a 25 anos de reclusão em regime inicialmente fechado pelo assassinato de Humberto Fonseca dos Santos e sua esposa Poliana Kaleb Seranova, crimes ocorridos em 29 de agosto de 1988.
A primeira noite na cadeia depois de ser condenada culpada, não foi tão difícil afinal foi em uma cela sozinha que ela passou os doze dias anteriores. A cela fedia, era suja, escura, fria e sem conforto nenhum exceto por um colchão de espuma jogado no chão, mas Anne sabia que mesmo sendo ruins as instalações da delegacia podiam ser consideradas um luxo quando comparadas aos de uma penitenciaria. Não por excitação, mas por medo Anne não conseguiu dormir a noite já que no dia seguinte ela iria ser transferida para a Penitenciária Feminina Maria da Glória, onde iria cumprir toda sua pena, mas o medo não era do lugar e nem das acomodações, mas sim da coisa que Anne menos soube lhe dar na vida, pessoas. Lá ela não iria encontrar pessoas como Alice e Juliana até mesmo se fossem como Otton estava perfeito, mas ela sabia que lá eles não a entenderiam, não compreenderiam os seus constantes sorrisos incontroláveis diante de uma situação engraçada ou feliz pra ela. Mas por outro lado ela estava certa, de que iria encontrar outras assassinas lá não que ela se julgasse uma, mas pelo menos ninguém a iria julgar pelos seus atos.
Com as algemas apertadas no pulso Anne seguiu até o carro da polícia. A transferência de Anne foi complicada e bem planejada pela policia paulista para que houvesse o mínimo de tumulto possível, mas isso era quase impossível mais de 100 repórteres, jornalistas e radialista acampavam na porta da delegacia. O caso Anne Marrie era o mais polêmico da roda social paulista, era destaque em todos os âncoras jornalístico e assuntos novamente de debates. Ela era considerada um mau exemplo de menina, de criação, de irmã, de namorada, de filha, de juventude, de companhia e um material extremamente especial para os especialistas da psicanálise, que tentavam a todo custo entender a cabeça de Anne. A pergunta sempre era: Como uma menininha foi capaz de cometer uma barbaridade dessas, pelo que relatavam, a duas pessoas boas que só queriam viver suas vidas em paz e felizes?
Edna era convidada para todos os programas de TV para contar sua versão do que aconteceu na noite do assassinato. Ela e a família Fonseca participaram de mesas redondas discutindo o comportamento, o julgamento, a vida e as obsessões de Anne Marrie. Um grande oportunismo para se promoverem pela mídia, mais tarde a irmã de Humberto posaria em uma revista destinada ao publico masculino, se é que vocês me entendem!
Ao entrar na Penitenciária Feminina Maria da Glória com a visão um pouco perturbada devido aos milhares de flashes que a cobriram durante todo o caminho até ali, Anne passou por vários corredores onde foram lhe entregue o uniforme azul escuro, vestível segundo Anne, alguns rolos de papel higiênico e a um desagradável e humilhante exame ao estilo Laranja Mecânica.
_Meu nome é Celina Antero de Jesus. _Se apresentou uma das carcereiras.
_É mas não precisa se preocupar em decorar não viu! Ninguém aqui chama a gente pelo nome. Né carcereira? _Disse uma outra carceireira com um olhar nada amigável.
_Oh Josefa, não assuste a garota. _Disse Celina. _Não se preocupe não viu filha, você pode chamar nós pelo nome sim.
_É... Obrigada? _Questionou Anne diante da situação. Sem poder dizer nada mais adequado.
Celina riu enquanto Josefa franziu a testa em desaprovação.
_Pode rir Celina, mas não sei se estar aqui vai ser tão engraçado para a mocinha ai. _Disse Josefa antes de cair na gargalhada.
_Não escuta o que ela está falando não viu... É... Como é seu nome mesmo? _Perguntou Celina.
_Anne Marrie. _Respondeu Anne.
Uma carceireira retirava os pertences de Anne e os guardava em uma caixa de papelão, inclusive a roupa, enquanto a outra anotava o nome de cada peça que entrava na caixa em uma prancheta.
_Celina? Essa é aquela doida que matou o ex-namorado e a mulher dele porque ela achou que ele tivesse roubado o filho dela. _Disse Josefa.
_Aquela da Televisão? _Perguntou Celina.
_É. Aquela da TV. _Disse Josefa impaciente. _E porque que você acha que a porta está cheia de repórteres assim?
_Ah então é por isso? _Questionou Celina.
Josefa rodopiou os olhos na órbita ocular.
O uniforme ficou extremamente grande em Anne devido ao fato do tamanho G da peça.
_Já acabou? _Perguntou Celina.
_Até que enfim. Se quiser sobreviver aqui você vai ter que ser mais esperta mocinha. _Disse Josefa.
As duas carcereiras acompanharam Anne a sua cela.
_Não liga pra Josefa não viu Anne. Ela trabalhou quase a vida toda numa outra penitenciária que era barra pesada, mas até hoje não percebeu que aqui é diferente de lá. _Disse Celina.
_É tudo igual você sabe disso Celina. E o que você em diz da briga de ontem heim? _Disse Josefa.
_Ah aquilo nem foi briga, as duas só se xingaram. Me diz você qual o lugar que não tem uma briguinha de nada de vez em quando? _Disse Celina.
_É por isso que eu falo, aqui todo dia tem uma briga viu menina, abre o olho. _Disse Josefa.
_Pára Josefa! Chega! Pára de botar medo na menina, se não ela vai ficar com medo atôa. _Disse Celina.
Ao chegar à cela Anne viu duas mulheres surpreendentemente diferentes do que ela esperava ver. Uma tinha os cabelos loiros pintados com água oxigenada puxados pra trás num rabo de cavalo e parecia apesar do cabelo uma aparência bem apresentável, respeitável, e a outra tinha os cabelos curtos como um homem, era negra e tinha um rosto magicamente gentil.
_Pronto meninas acabou de chegar a nova colega de vocês. _Disse Josefa. _Não peguem leve com ela não viu!
_Josefa... Opa! _Disse à Loira que parou repentinamente ao ver a cara de desagrado de Josefa e continuou corrigindo o erro: _Dona Carceireira.
_Melhorou. _Disse Josefa.
_É mentira dela, a gente é do bem viu. _Disse a Loira.
_Diga isso pro meu juiz. _Disse a negra sorrindo dando um passo a frente. _Prazer meu nome é Alana e o seu.
_Ela é Anne Marie não é? _Disse a loira. _Eu vi sua foto no jornal.
_Ah, ela é aquela que matou o marido e a amante? _Perguntou Alana.
_Ele não era meu marido. _Disse Anne rapidamente.
_Mas você tá limpa? _Perguntou a Loira.
_O quê? _Questionou Anne sem entender.
_Ela perguntou se você é culpada ou não. _Disse Josefa. _Essa ai não vai viver nem um minuto.
_Pára Jose... Dona carcereira. _Disse a Loira. _Meu nome é Antônia.
_Mas e aí você é culpada ou não? _Perguntou Alana.
_Josefa vamos deixar as meninas se conhecerem melhor. _Disse Celina um pouco antes de sair da cela acompanhada por Josefa que saiu resmungando.
_Então tá limpa ou não? _Disse Antônia.
_Sou. _Disse Anne ainda surpresa com suas agradáveis companheiras de cela. _Quer dizer eu sou culpada.
_Mas está mais do que com a razão, chifre não é fácil de engolir não é? _Disse Antônia.
_Antônia ela já disse que ele não era marido dela. _Disse Alana.
_E o que tem isso a ver ela pode ser a amante e ainda ter ciúmes. _Disse Antônia.
_Não ele era meu ex-namorado. _Disse Anne.
_Aí viu, ciúmes. É sempre o ciúmes. Querida eu não conhecia o safado, mas tenho certeza que ele mereceu. _Disse Antônia.
_Não. O Pior é que ele não merecia. _Disse Anne um pouco mais a vontade.
_Como assim? _Perguntou Alana.
_Eu só matei ele porque eu achava que ele tinha roubado meu filho de mim. _Disse Anne.
_Nossa, você já tem um filho? _Disse Alana chocada ao ver o corpinho infantil de Anne.
_Bem na verdade eu só o tive por nove meses, porque ele foi roubado de mim quando ele nasceu. _Disse Anne.
_Que história Anne. Você nunca viu seu filho então? _Perguntou Alana.
_Vi só uma vez na hora do parto mas depois nunca mais. _Disse Anne.
_Ai você pensou que seu ex tinha pegado o bebê e foi atrás dele. _Disse Antônia.
_Isso. Mas acontece que a enfermeira me disse no dia do parto que ele tinha pegado o bebê no berçário. _Disse Anne tentando se explicar.
_Mas e aí? _Questionou Alana curiosa.
_Aí que depois de um ano procurando ele, eu descobri que ele estava lá no Rio. _Disse Anne.
_Esperai! _Exclamou Alana. _Depois de um ano?
_É. Desde quando a gente se separou eu nunca mais tinha visto ele, então quando meu bebê sumiu, como eu achava que era ele que tinha roubado, eu fiquei procurando ele por um ano. _Disse Anne.
_E aí, conta mais. _Disse Alana mais do que curiosa.
_Aí que eu fui até o Rio e quando cheguei lá na casa eu vi que não era o meu bebê, ele tinha tido outro neném com a mulher dele. _Disse Anne.
_Mas quando você viu que o bebê não era seu, porque você não foi embora? _Perguntou Alana.
_Alana, ele merecia morrer, vai. _Disse Antônia.
_Não, se não foi ele que roubou o neném. _Disse Alana.
_O problema é que eu o matei antes de ver o bebê, entende? _Disse Anne. _Eu não tinha visto o bebezinho ainda.
_Ah, entendi. _Disse Alana.
_Mas no jornal estava falando que você matou ele e a mulher dele. _Disse Antônia.
_É. É porque na hora que eu entrei na casa ela me viu, ai eu tive que bater na cabeça dela, mas eu não sabia que ela tinha morrido até que a polícia me falou. _Disse Anne.
_Entendi. _Disse Antônia.
_Nossa Anne que história triste. _Disse Alana. _E agora, quanto tempo você pegou?
_25. _Disse Anne.
_Ui! _Disse Antônia e Alana juntas.
_Mas dependendo do seu advogado você sai bem antes. _Disse Antônia.
_E vocês? _Perguntou Anne curiosa. _Como vieram para aqui?
_Eu sou inocente. _Disse Alana convicta.
_Mesmo? _Duvidou Anne, desconfiando que todas ali dissessem isso.
_É verdade. A patroa dela matou o marido e adivinha em quem caiu a culpa? _Disse Antônia.
_Sério? _Disse Anne.
_É minha filha ser nega é difícil. _Disse Alana. _Eu tinha pedido aumento de salário um dia antes e ele recusou sabe? Mas eu não ia matar ninguém por causa de dinheiro.
_É. Fala isso pro seu juiz, como você diz. _Disse Antônia sorrindo.
_E você? _Perguntou Anne a Antônia.
_Eu matei meu pai. _Disse Antônia. _Mas não fica chocada não, porque o filha da puta não era nem um pouco legal. Ele batia na minha mãe e nas minhas irmãs e ainda abusava de mim. Teve uma hora que eu disse chega, mas ele não ouviu.
_Nossa. A sua história é bem triste também. _Disse Anne.
_Agora está tudo bem, porque eu to viva, ele está morto e minha família está feliz. _Disse Antônia. _Agora é só sair daqui e volta tudo ao normal.
As três continuaram o dia todo conversando até quando mandaram apagar as luzes. Durante os seguintes anos as três ficaram melhores amigas, cada um com a medida certa para um grupo de amizade perfeito. O bom senso de Alana, a ousadia de Antônia e a loucura de Anne fizeram das três, constante assunto dentro da penitenciária. As amigas de Anne Marrie entraram no coração dela quase que automaticamente quando ela as viu pela primeira vez, era uma amizade diferente da de Juliana ou da sua irmã Alice, mas tinha sua importância dentro do coração de Anne.
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