domingo, 15 de junho de 2008

Capítulo 7: Uma lágrima de Anne Marrie

O hotel parecia bem aconchegante, Anne não havia se preparado para viagem para o Rio o máximo que deu pra fazer foi passar em casa e pegar algumas peças de roupas e ajeitar mais ou menos na mala velha de Ellen. Nem ao menos avisou ninguém de onde estava indo, sem ter tempo para passar no banco para pegar mais dinheiro, achou suficiente o que carregava na bolsa, Anne seguiu direto para o aeroporto. O motorista ganhou um bom dinheiro por passear por quase toda São Paulo junto com Anne, e esperar ela na porta do castelinho aumentou ainda mais a corrida, sem querer ela ajudou alguém a pagar as contas do mês. Quem disse que Anne Marrie também não é solidariedade?

Assim que abriu a mala em cima da cama já anoitecia no Rio, tudo parecia bem calmo, e mesmo que não estive para Anne tudo estava perfeito. Ela até fingiu que não viu uma barata sair por debaixo da porta. Ela estava em outro nível de sensibilidade, nada ali era capaz de a tirar do estado de dormência que fazia seu sorriso pregar no rosto e não se desmanchar por nada, nem por uma barata. Lembrando-se de que todos em São Paulo estariam desesperados com seu sumiço ela correu até o telefone e ligou pra casa, o castelinho. O telefone mal fez a primeira chamada e Juliana atendeu com uma voz ofegante do outro lado:

_É você? _Perguntou Juliana.

_É sou eu, Anne. _Disse Anne num tom parecido com a voz de Alice.

Fez-se silêncio do outro lado da linha.

_Juliana? _Perguntou Anne, pensando que a ligação havia caído.

_Ah Anne, até que enfim né? _Disse Juliana. _Onde você está sua louca?

_Você não vai acreditar, to aqui no Rio. _Respondeu Anne.

_O quê? Como assim você está no Rio? Que Rio? Tipo Rio de Janeiro? _Se chocou Juliana.

_É Ju. Depois eu te conto o que aconteceu, melhor. _Disse Anne. _Mas e aí, a Lice ta perguntando por mim? Meu pai deve estar louco né?

_Sua irmã está te procurando por toda a cidade. Vocês brigaram? _Disse Juliana.

_O quê? Não. Sei lá, acho que não. Aquilo não foi briga. _Disse Anne.

_É, mas você sabe como a Alice é né? Dramática! _Disse Juliana. _Ela está achando que você sumiu por causa da briga. Foi por isso?

_Não. A gente nem brigou. Foi só uma discussãozinha, nada sério. Não pra mim. Nem estava pensando nisso mais. _Disse Anne.

_Mas o que você está fazendo aí então? _Perguntou Juliana.

_Seguindo uma pista quentinha. _Começou Anne. _Eu topei adivinha com quem hoje lá no centro?

_Quem? _Perguntou Juliana.

_Com o irmão do Humberto, aquele que chama Roger, lembra dele? _Disse Anne.

_Hã? Mais ou menos. De vista só. Você me falou dele uma vez. Mas ele não sai muito na Society não né? _Perguntou Juliana.

_Não. O pai dele não gosta muito dele sei lá porque, mas ai ele saiu de casa quando ele era novinho ainda. Nem mora com eles mais. _Disse Anne.

_Tá! Mas e aí, o que ele te falou? Ele brigou com você? _Perguntou Juliana.

_Ele ficou enchendo o saco quando a gente sentou lá no Café das Marias...

_Vocês foram tomar café? _Perguntou Juliana. _Mas ele não devia te odiar, sei lá. Você quase matou o irmão dele.

_E não é menina? Eu fiquei com medo, mas ele falou assim, fácil. Pensei que eu não ia conseguir nada, mas ele falou tudo de uma vez. _Disse Anne. _Fez uma horinha, antes de falar onde ele estava, mas ele falou tudo.

_Aí no Rio? _Perguntou Juliana.

_É. _Respondeu Anne.

_Isso ta me cheirando a armação heim amiga. _Disse Juliana.

_Será? _Perguntou Anne, pensando na primeira vez nessa possibilidade.

_Claro né Anne. Ele falou tudo sem pedir nada em troca? _Disse Juliana.

_É verdade. Meio estranho né? _Disse Anne. _Mas parece que ele estava com raiva de alguma coisa. Talvez ele brigou com o Humberto.

_Pode ser, mas e se não for isso? _Perguntou Juliana.

_Ah, eu já estou aqui mesmo, amanhã eu descubro se é mentira ou não. _Disse Anne.

_Ele te deu o endereço? _Perguntou Juliana.

_Aham, o endereço completo. _Disse Anne sem conseguir segurar uma risadinha no final da frase.

_Você é louca Anne. Você devia ter esperado um pouco, conversado com nós primeiro. _Disse Juliana.

_Ah Ju, eu fiquei com vontade de vir de uma vez. _Disse Anne. _Já esperei demais, e mesmo se eu ficasse vocês não iam me deixar vir.

_Não íamos mesmo. Isso esta me cheirando a cilada. _Disse Juliana.

Ao fundo da outra linha Anne ouviu baterem na porta.

_Quem é? _Perguntou Anne curiosa.

_Não sei, esperai rapidinho! _Disse Juliana.

O barulho do telefone descansando em cima da mesinha foi seguido do barulho da porta se abrindo. Alguns segundos depois, Juliana pegou o telefone de novo e começou:

_É meu namorado Anne, vou ter que sair agora, sexta a noite né meu bem. _Disse Juliana com a voz feliz.

_Está bem Ju, divirta-se. _Disse Anne.

_Pode deixar amiga. _Disse Juliana. _E aqui? Você vai ligar pra Alice daí?

_Ah Ju faz esse favor pra mim. _Começou Anne. _Se não eu vou ter que explicar tudo de novo e depois da briga que a gente teve não vai ser uma conversa legal.

_Mas você disse que não tinha brigado! _Disse Juliana, ironicamente.

_Não! Não é isso. E a gente não brigou mesmo. _Disse Anne.

_Tá, eu entendi. _Disse Juliana.

_Ah e se não minha conta aqui vai ficar muito cara e eu não saí daí com muito dinheiro. _Disse Anne.

_Pode deixar, que eu ligo lá pra sua casa e vou ligar pra minha mãe também, ela veio aqui te procurar pra te levar num desfile e não te achou. Ficou toda preocupada. _Disse Juliana.

_Ah que gentil da parte dela Ju! Manda um beijo pra ela, agradeça pelo convite e peça desculpas por mim. _Disse Anne.

_Ok. _Disse Juliana.

_Tchau Ju. _Disse Anne.

_Até amiga. _Disse Juliana. _E boa sorte aí com o Beto.

_Obrigada! _Disse Anne.

_Tchau e beijo. _Disse Juliana antes de a ligação cair.

Anne colocou o telefone no gancho e foi direto pra janela para apreciar a vista, que não era uma das melhores. Um pouco afastado do litoral o hotel era de 3 estrelas e não muito confortável, mas dava para dormir um pouco e relaxar até que chegasse a hora de ir atrás do bebê. Será que Anne ia conseguir dormir com tanta coisa prestes a acontecer? O sono só veio às 4 da manhã depois de tanto rolar de um lado pro outro no colchão duro do quarto.

Já de pé Anne escolheu o melhor modelo que havia trago para o Rio. Uma calça Jeans compunha o visual da turista, uma camiseta regata verde fazia contraste com o cinto de couro largo na cintura, um óculos escuros e os cabelos presos a um coque. Pelas ruas do Rio de Janeiro com o que parecia pra ela um bom disfarce, Anne seguiu andando atrás de informação. Na bolsa tudo o que precisava: Um mapa do Rio comprado em uma banca de jornal, algumas fichas de telefone, um papelzinho com o endereço de Humberto escrito por ela antes de entrar no avião e é claro um batom bem vermelho.

_Senhor? Senhor? _Chamou Anne um senhor de cabeça branca que passava por ali.

O Senhor parou imediatamente quando percebeu que a garota estava perdida.

_Sim. _Disse o velhinho.

_O senhor podia falar onde é esse lugar aqui oh. _Disse Anne erguendo ao velho o papelzinho amassado.

O senhor então puxou do bolso esquerdo da blusa um óculos remendado e com esforço leu o pedaço de papel.

_Minha filha, esse endereço é lá no Leblon. Tá um pouco longe daqui. _Disse o velho.

_Obrigada! _Disse Anne pegando o papel de volta.

Sabendo da distância da casa de Humberto, Anne se apressou a entrar dentro de um táxi. O dinheiro estava apertado, mas ficar andando por uma cidade que ela nem conhecia não ia dar um final feliz.

O Rio era até bonitinho, se isso ficar claro para vocês. Porque tirando o cristo redentor que fazia a diferença na paisagem o resto era bem parecido com outras praias com uma cidade no meio.

Anne fez questão de dizer ao taxista que a deixasse a uma quadra do endereço no papel, pois não queria que Humberto a visse logo de cara, ela queria se preparar antes para enfrentar sua quase vítima de novo. Então Anne desceu do carro apreensiva com o coração na boca, tremia os joelhos e suava nas mãos que apertavam o papel com força.

A rua era de longe uma das mais bonitas que Anne já vira na vida só perdia é claro para a rua do castelinho onde ela morava com Juliana. Usando os óculos como um grande escudo para que não a reconhecesse caso Humberto ou Poliana a avistassem antes que ela pudesse vê-los primeiro. Devagar Anne deslizou pela calçada procurando atentamente o número 76 nas casinhas perfeitamente colocadas sobre os milhares de jardins fabulosamente esculpidos por alguns brilhantes e talentosos jardineiros. Anne avistou do outro lado da rua uma casa audaciosa com uma arquitetura ousada, cheia de curvas, parecia mais uma obra de Niemeyer.

Anne parou a umas três casas de distância e começou a analisar o imóvel. Todo branco com detalhes em gesso, a casa era cercada por um vasto campo verde de onde cresciam flores rosadas, tudo protegido por grandes barras de ferro pintadas de branco, que formavam um portão onde possivelmente era o caminho para a garagem. Em meio às barras uma das colunas que se juntavam as grades, era onde descansavam no alto dois números um sete seguido por um seis. Era ali no número “76” onde Humberto estava vivendo com Poliana e o bebê de Anne. Ela realmente desconfiava disso naquele momento, Juliana poderia estar certa, talvez Roger só estivesse querendo dar uma lição nela, a fazendo ir até o Rio de Janeiro atrás de nada. Mas o palpite de Juliana estava prestes a cair por terra.

Humberto saia pela porta da frente, segurando nos braços uma grande bolsa amarela com um ursinho rosa na lateral. Era uma bolsa para bebês, parecida com a que Alice havia comprado para o enxoval do filho de Anne. Poliana vinha logo atrás empurrando um carrinho de bebê azul marinho parando para beijar o marido e pegar a bolsa das mãos dele enquanto ele seguia até os fundos provavelmente para pegar o carro. Anne ficou ali do outro lado disfarçando enquanto avistava o casal feliz sair de carro, ela não podia acreditar que Poliana havia roubado tudo que um dia ela sonhou ter, uma família. Paremos com a hipocrisia, Anne sempre quis Humberto ainda mais agora que ele estava estupidamente bonito. E o fato de ele ter roubado o seu bebê para viver feliz com Poliana, que provavelmente devia ser estéril a deixava muito enciumada, ali ela não sabia se queria o filho de novo ou somente que Poliana caísse fora da vida dos dois e ela tomasse o lugar dela.

O carro passou por ela que se virou de costas rapidamente para que eles não a reconhecessem. Sem saber o que fazer Anne, se aproximou da casa de número 76, era ainda mais bonita de perto, o verde dos jardins se projetavam nas paredes brancas da casa, alguns galhos repleto de flores subiam até a altura dos joelhos. Eram fortes na cor e enchiam os olhos de beleza. Tudo parecia lavado com muita água e amaciante, tinha um cheiro delicioso e a aparência limpa. Para completar a beleza, talvez para tornar aquilo tudo mais torturante pra Anne agüentar, vários jatos de água se ergueram do chão jogando água por todo lado e as gota que choviam sobre o jardim em contraste com o sol formavam pequenos arco-íris. Maravilhoso.

De volta ao hotel Anne se torturava ao lembrar do que acontecera aquela manhã, o que virá foi muito perturbador. O almoço pareceu descer sem gosto por sua garganta, ela desejava aquela vida pra ela, talvez o lugar que Poliana esteve esse tempo todo fosse tudo o que Anne mais desejou na vida. A comida não importava. Pensando a tarde toda no que fazer, Anne caminhou pelo redondeza a fim de se distrair um pouco. Numa tentativa desesperada de encontrar o que fazer e também de algum conselho a seguir Anne ligou novamente para o castelinho:

_Alô, Ju? _Perguntou Anne quando a ligação foi completada.

_Oi Anne. _Respondeu Juliana.

_E aí como foi à noite heim? _Sorriu Anne, antes de perceber o que acabara de fazer. Era a primeira vez que questionava a amiga sobre seu namoro.

_Tudo ótimo como sempre. _Disse Juliana, antes de mudar de assunto. _Mas e você como se saiu hoje lá com o Humberto? Você falou com ele?

_Não. Consegui achar o endereço e o Roger não estava mentindo, ele mora mesmo lá. _Disse Anne.

_E aí? _Questionou Juliana.

_Eu vi ele, a Poliana e o bebê. _Disse Anne pela primeira vez desde que saiu da rua Almerinda pensando no seu filho.

_Então eles pegaram mesmo seu bebê? _Disse Juliana. _Que filha da mãe!

_É. Eu não consegui ver meu filho, mas eles saíram com ele de carro. _Disse Anne, se lembrando da torturante cena. _A casa deles é perfeita Ju, você tem que ver.

_Mas e aí, você não foi falar com eles não? _Perguntou Juliana.

_Não né Ju. O quê eu ia falar pra eles? Devolve meu bebê ai agora, anda, tô mandando!

_É claro né Anne! _Disse Juliana. _Como você vai fazer isso? Como você vai pegar seu bebê de volta?

_Não sei. Estou pensando em chamar a polícia para ir comigo, vai ficar mais fácil, não? _Disse Anne.

_Não. Vai gerar muito falatório, vai ser capa da Society se você fizer isso. _Disse Juliana.

_Não estou nem aí Juliana. Espero que saia mesmo na capa pra ele ter o que merece, já que os Fonseca preservam tanto o nome assim, vamos ver como eles vão se livrar dessa. E ainda é pouco pelo que eu já passei. _Disse Anne.

_Claro, você está certinha. _Começou Juliana. _Mas como você vai provar que o neném é seu filho?

_Não vai ser difícil, porque ele é. _Disse Anne.

_Amiga, você tem que ter mais provas que isso. _Disse Juliana.

_A Poliana não ficou grávida, nunca esteve. _Disse Anne.

_Quem te falou isso? _Disse Juliana.

_Ninguém. Mas se o neném fosse dela mesmo, porque o Roger não me disse lá na cafeteria? _Perguntou Anne.

_Anne, ele podia estar mentindo. Quem garante que o que ele disse é verdade? _Disse Juliana.

_Porque ele mentiria só sobre isso? O endereço estava certo. E todo o resto. _Disse Anne.

_Olha, você pode estar entrando numa fria sabia? Espera um pouco, já que você esta por aí, fica mais uns dias vigiando como você está fazendo, até você ter certeza. _Disse Juliana.

_Ju, eu não trouxe tanto dinheiro assim, não vai durar muito, amanhã eu vou lá, bato na porta e faço o que tenho de fazer: Pego meu filho e volto para aí e ai eu vou pensar se vou denunciar ele ou não. _Disse Anne.

_Claro que vai! Você está louca Anne? Depois de tudo isso ele vai sair de liso de novo. Nem pensar, vai entregar ele pra polícia sim, ele seqüestrou seu filho. _Disse Juliana.

_É filho dele também. _Disse Anne.

_Eu não acredito no que eu to ouvindo Anne. Antes você queria matar ele, agora você está dividindo seu filho com ele, ele não queria o bebê, lembra? _Disse Juliana.

_Lembro. _Disse Anne.

_Olha Anne, seja lá o que você tenha visto hoje, não mude suas idéias por nada, pegue seu filho e volte pra cá. _Disse Juliana.

_Vou esperar amanhã, hoje já está ficando tarde pra eu ir lá né? _Perguntou Anne.

_Isso. Fica aí, descansa e amanhã você vai lá com calma. _Disse Juliana.

_Tudo bem. _Disse Anne. _ E aí você falou com a Alice?

_Liguei pra ela ontem assim que acabei de falar com você. _Disse Juliana.

_E ela? Ficou brava? _Perguntou Anne.

_Não muito, ficou mais aliviada por saber que você estava aí. Ela também acha que o Roger te enganou. Vou ligar pra ela agora pra falar que você achou o Beto. _Disse Juliana.

_Obrigada Ju! _Disse Anne.

_De nada amiga. _Disse Juliana. _Liga mais tarde se quiser, eu não vou sair hoje não.

_Por quê? _Disse Anne espantada. _Hoje é sábado.

_Eu sei, é que eu estou muito cansada da semana. _Disse Juliana.

_Tudo bem Ju, até mais então. _Disse Anne.

_Tchau Anne. _Disse Juliana.

As horas pareciam não passar, o tempo comprimia Anne a esmagando por dentro. Cada segundo arrastado mais aumentava a ansiedade de amanhecer logo e resolver tudo isso de uma vez, deitada sozinha na cama admirando o teto descascado Anne ficou ali acordada pensando em qualquer coisa que a fizesse esquecer um pouco o Humberto, a Poliana e o bebê. A barata seria uma ótima companhia agora. Conversar com alguém ajudaria a passar o tempo. Sem perceber Anne cochilou e quando acordou angustiada procurou o relógio na mala esperando que os ponteiros marcassem umas 5 da manhã pois o céu ainda estava escuro, mas para seu desespero o relógio informava as 23h15min que eram onze horas e quinze minutos. Mentira? Anne ficou desesperada. Como assim ainda são onze horas? Num salto Anne tirou o pijama e colocou um vestido preto até os joelhos e com o mesmo cinto de couro que usara de manhã ela saiu pela rua em busca de algo o que fazer. Ao passar por vários barzinhos pela noite boemia do Rio de Janeiro nenhum deles pareceu convidativo a Anne, samba e pagode não era a sua praia e tentando se enganar ao invés de fazer o que queria Anne foi até o calçadão. O famoso calçadão de Copacabana, inspiração para muitas pessoas, usada por muitos poetas, compositores e artistas o calçadão era uma coisa bonita de se ver. Um monte de tijolinhos em cores oposta artisticamente colocados um a um formando um belo desenho ondulado por toda a orla da praia. Ao chegar ali e pisar pela primeira vez em um dos pontos da cidade que fazem o Rio de Janeiro ser o Rio de Janeiro Anne sentiu, sentiu... Sentiu... Sentiu nada. Ficou ali parada, fingindo para os transeuntes cariocas, que era legal ficar ali. Olhando o mar Anne pensou: “O que eu to fazendo aqui? Parada. Olhando pro mar? Pra quê? Eu não agüento mais esperar.”

Anne entrou no primeiro táxi que viu passar e seguiu direto para a Rua Almerinda, nº. 76, Leblon. Parando no mesmo lugar que de manhã, Anne desceu do carro e do outro lado da rua como antes ela ficou parada olhando para a casa de Humberto. A casa parecia bem diferente agora, mais simples como as outras. As luzes acesas da casa indicavam que Humberto e ou Poliana ainda estavam acordados. Sem saber o que estava prestes a fazer Anne seguiu em direção ao portão principal e para sua surpresa antes que ela chegasse mais próxima ao portão a porta da frente se abriu e de dentro saiu uma senhora aparentemente com uns 60 anos:

_Até amanhã minha filha. E não precisa me levar até em casa porque o Lomar sabe bem o caminho. _Disse a velhota.

Anne se escondeu atrás de uma árvore quando viu Poliana sair e encostar na porta da frente.

_Ah o Lomar está aí? Porque a senhora não me falou mamãe? _Perguntou Poliana.

Anne sabia agora que talvez fosse esse o real motivo para que Humberto se mudasse para o Rio com Poliana, a mãe dela morava lá.

_Ele está ali me esperando. Deixa eu ir meu amor. _Disse a velha ao atravessar o portão.

Anne olhou automaticamente para o carro de luxo parado a porta da casa, não havia percebido ele ali antes, o motorista Lomar olhava pra Anne desconfiado. Anne então fingiu estar mexendo na bolsa, tirou um papel dela, virou para casa que estava ao seu lado e se mostrou mais interessada em ver qual era o número do imóvel. Tentando disfarçar o motivo da sua presença ali naquele local à uma hora daquelas.

_Tchau mamãe. _Disse Poliana da porta enquanto o motorista saia do carro apressado e abria a porta traseira.

_Onde você está com a cabeça Lomar? Eu vou congelar aqui. _Resmungou a velha.

_É que tem uma moç... _Começou Lomar.

_Levou chifre outra vez Lomar? Pelo amor de Deus! Estou achando que o seu negócio é outro heim? _Sorriu a velha.

_Quê isso senhora. _Disse Lomar sem jeito.

Poliana ficou da porta vendo o carro se afastar bairro a dentro. Anne via tudo de longe de novo, voltara ao lugar de onde chegou.

O que poderia ficar pior, já passava da meia noite e Anne estava parada numa rua deserta no Rio de Janeiro tentando recuperar seu filho. Mas para isso ela iria ter que falar com Humberto e ela não queria isso a exemplo do que aconteceu na ultima conversa dos dois. E como uma ajudinha divina, pensou Anne antes de agradecer: "_Obrigada Senhor." O portão da frente na casa dos recém casados estava aberto, encostado de leve. Era a oportunidade perfeita pra Anne, afinal melhor do que ter que enfrentar os dois sem saber as conseqüências, seria pegar o seu filho como Humberto fez a um ano no hospital, escondido. Sorrateiramente Anne caminhou até o portão e ao passar por ele todo o cuidado para não fazer barulho foi tomado. “E agora como eu vou achar o quarto do meu filho? E se ele dormir com os dois no mesmo quarto?” pensando nisso Anne Caminhou pelo lado da casa fitando cada janela em busca de algum sinal de um quarto do bebê. Enfim ela avistou por uma das janelas uma cortina com ursinhos dos mais variados tipos, e Anne sabia que era ali o quarto do seu filho. Mas como o resto das janelas da casa, havia uma grade sobre cada uma. Na esperança de encontrar uma porta nos fundos da casa, Anne continuou a passos curtos e silenciosos pela garagem onde estavam dois carros de luxo um atrás do outro e ao fundo deles uma pequena porta parecia ser a entrada dos fundos da casa. A cada passinho Anne rezava, rezava e rezava pedindo aos céus que a porta estivesse aberta, ao tocar a maçaneta e girar lentamente para evitar ruídos a porta se abriu. E todos os anjos estavam com Anne ali agora. Essa seria a única explicação.

A cozinha era perfeita, daquelas que a gente só vê em revista de decoração. Descrevê-la daria um pouco de trabalho, a cada detalhe outro detalhe. Seria complicado demais. A luz de repente se acendeu e virando automaticamente para olhar tal feito, Anne viu Poliana parada com a mão sobre o interruptor.

Anne ficou parada olhando para aquela mulher grande, carnuda, com os cabelos vermelhos e enrolados sobre os ombros, pareciam que voavam numa constante ventania insensível. Poliana se pos de costas e voltara para o interior da casa. Anne não podia deixar o que quer que fosse atrapalhar os seus planos. Então seguiu Poliana e reparou quando ela pos a mão sobre o telefone. Sem pensar rapidamente pegou uma estátua de madeira que adornava um dos cantos da sala magicamente decorada e por trás atingiu a cabeça de Poliana. A mulher caiu no chão desacordada, mas o tapete persa abafou a queda, e Anne deu graças a isso. Chamar a atenção de Humberto àquela hora estragaria seus planos. Devagar Anne foi caminhando pelo corredor olhando cada porta e realmente desejando não encontrar o quarto de Humberto, mas como nem tudo são felicidades, lá estava. A terceira porta a direita. Anne nunca esteve no quarto de Humberto, nem daquele apartamento onde levava quase todas as garotas da cidade, somente as ricas, é claro!

Ali era tudo muito simples o que deixava tudo mais sofisticado. Sem perceber Anne caminhou até a cama de Humberto onde ele estava deitado de barriga pra cima com os olhos fechados e as mãos sobre o forte peito nu. Olhando aquele rosto tão de perto de novo Anne até conseguia sentir o que sentira antes, mas seu bebê estava tão perto que fazia do amor dela por Humberto quase umas cócegas no coração, algo que um dia foi bom, mas não é mais. E aos poucos o sentimento de raiva, ódio e vingança foram crescendo dentro de Anne, a intensidade do amor que um dia ela sentiu por aquele homem era somada a força do tempo que Anne sofreu por ele. E não dizem que a vingança é um prato que se come frio? Então. O prato de Humberto já havia passado da hora de ser comido.

Anne queria sentir o que sentiu naquela noite no apartamento de Humberto de novo. Alívio. Foi tão bom pra ela acreditar que ele estava morto. Ele representava todos os seus problemas em uma só pessoa. Mas o que ajudaria ela nisso? Anne correu o olho pelo quarto a procura de algo cortante, a forma perfeita de matar Humberto sem fazer alarde, sem chamar a atenção dos vizinhos só ia fazer um pouco de sujeira, mas o que seria um pouco de sangue pra alguém que causou muito mais dor a milhares de pessoas. Anne só sentia pelo lençol de linho. “Tão bonito, a Poliana deve ter gastado um tempo escolhendo esse.” Sem sucesso na sua busca superficial Anne não achou nada mais interessante do que uma caneta de pena que estava no criado mudo ao lado de Humberto. Com medo de acordar ele, Anne sabia que se isso acontecesse ela não teria tantas chances como da primeira vez afinal, ele estava bêbado aquele dia e se ele acordasse ali, naquele momento, teria total vantagem sobre ela. Pegou a caneta cuidadosamente e num só golpe enviou o objeto na garganta de Humberto e sentiu o sangue dele quente na mão. Ele arregalou os olhos assustado e numa tentativa de total desespero apertou o pulso de Anne com força, rapidamente os dedos foram afrouxando em torno do braço da menina e Humberto foi ficando mais branco do que já era. Para garantir que dessa vez ele não sobrevivesse Anne voltou a golpear o ex-amor duas, três, quatro vezes. E quando o sangue já fazia parte do quarto, Anne percebeu que junto ao líquido vermelho traços azuis desenhavam o curso que o sangue fazia do pescoço de Humberto, passando pelo travesseiro, pelos lençóis, até o chão. Era a tinta da caneta que se misturava com o sangue. Dessa vez ela não podia deixar de verificar, pegando os pulsos de Humberto para ver se ainda tinham vida Anne sentiu pela última vez o coração dele, será que um dia ele amou alguém como ela o amou? Espero que sim porque agora não dava mais tempo. Passando a mão sobre a parte ainda limpa do lençol para limpar as mãos sujas de sangue, ela subiu os olhos para ver o rosto dele de perto pela última vez. E lá estavam eles: Os malditos olhos azuis outra vez, agora tão sem brilho comparado ao que era antes. Olhando pra eles Anne lembrou de que foi a primeira coisa que ela viu em Humberto. Os olhos. E ali ela teve certeza que foi por eles que ela se apaixonou o resto foi conseqüência de encantamento. E sentindo bem no fundo, uma nostalgia gostosa de como era bom olhar para aqueles olhos tão bonitos e brilhantes olhando pra ela, Anne incontrolavelmente começou a chorar.

Uma lágrima de Anne Marrie caiu e escorria também no rosto de Humberto, suavemente ela passou a mão sobre as pálpebras dele. E assim foi o fim de Humberto: Morto com uma caneta por uma menina de 18 anos. Consequência de um erro que ele não pode se desculpar (e duvido que o faria) e não vai poder cometer de novo graças a Anne. Ela estava certa, ele mexeu com a garota errada.

Ainda com as mãos um pouco sujas de sangue Anne secava as lágrimas no rosto enquanto de volta para o corredor procurava o quarto do filho e que sem dúvida era o último do corredor, o que trazia os dizeres na porta: “A CEGONHA PASSOU POR AQUI”.

Anne abriu a porta devagar e caminhou até o berço, como o resto da casa o quarto também era impecável na decoração, um urso gigante, realmente gigante, quase do tamanho da porta era um dos milhões de brinquedos decorativos que estavam espalhados pelo quarto. Tudo com tema de urso. Anne voltou a se emocionar quando estava perto de pegar seu bebê, abraça-lo pela primeira vez. Quando afastou o mosquiteiro que estava em volta do berço Anne não acreditou quando viu um bebezinho de mais ou menos um ano deitadinho de lado e na cabeça trazia um grande laço. Laço? O vestido rosa dava um toque todo especial ao pequeno ser humano, as orelhas furadas, a pulseirinha de ouro no pulso com o nome “Amanda” quase não dava pra ver no meio das dobrinhas. Anne ficou parada olhando aquela menininha dormindo calmamente, chegou a olhar pelo quarto procurando outro berço, cesta, cama ou algum menino quase da mesma idade, mas que fosse um menino. O filho dela. Só havia uma maneira de saber se a menininha não era menininho, e rapidamente Anne retirou a fralda da menina, para alivio dela estava limpa, e ali estava a prova. Aquele bebê não era dela. Roger estava certo, Humberto não estava com o filho de Anne Marrie. Talvez não tivesse sido mais fácil ter batido na porta e perguntado? Agora Anne estava com um assassinato na mão ao invés do filho.

Troca justa?

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