sábado, 21 de junho de 2008

Capítulo 8: Onde está Anne Marrie?

Alice fechou o livro de anatomia e o colocava junto aos outros na estante em frente a sua cama. O quarto era basicamente o sonho de toda garota, mas não digo isso pelo rosa das cortinas, que na verdade nem eram tão rosas assim, estavam mais para um salmón, mas não o original, para ser mais exato a cor era um rosa embasado. Nada “cheguei!”. O quarto era, se é possível imaginar isso, uma boa porção de morangos com chantilly: Doce, suave, cremoso, e extremamente gostoso. Nada de pôster ou fotos de amigos nas paredes, era simples, aconchegante, bonito, limpo, cheiroso e perfeito. Alice então correu até a bolsa e recolheu de lá de dentro um pequeno caderninho forrado com couro, uma agenda. Alice era guiada por ela mesma, que anotava todos seus compromissos e tarefas na agenda. Olhando o que tinha pra fazer aquela noite, como se ela houvesse esquecido, viu o nome dele marcado. Luís era o nome do garoto. Que garoto? Simplesmente o garoto que tinha o projeto de um hospital voluntário na cidade, o único. O quê isso tem demais? Para Alice era muita coisa, ele não era muito bonito, mas tinha lá o seu charme. O convite para trabalhar ao lado dele no hospital surgiu à tarde, quando ele a convidou para sair. Para uma primeira conversa, Alice considerava aquela uma das melhores.

José, Heitor, Vitor e... Esperem ai, me deixem começar de novo. José, Heitor, Vitor e... E... Ah! E Luís, se é que esse já pode ser contado. São esses os homens com quem Alice já teve um encontro, não são muitos eu sei, mas foram marcantes. Ela não percebia o quanto era pequeno aquele número, comparado às listas das garotas da sua idade, isso sem contar que dessa singela lista apenas um deles foi beijado, nada muito romântico, na verdade o beijo foi forçado. Aquela brincadeira de verdade ou conseqüência. Alice esperava realmente que aquela noite fosse a melhor que as outras três. Poderia até acontecer o seu primeiro beijo, ela não contava o primeiro como primeiro, se realmente rolasse um beijo mesmo sendo o segundo seria o primeiro. Entendeu? Igual a música da Madonna, seria como se fosse o primeiro, like a virgin, touched for the very first time.

O encontro era as oito em um restaurante italiano do centro, Alice estava maravilhosa. Sempre se vestiu muito casual, muito Alice sabe? Mas essa noite ela iria surpreender. O vestidinho preto comprado em Paris só ficaria melhor em Audrey Hepburn, a bolsinha, a maquiagem, o cabelo, tudo estava perfeito para aquela “entrevista” de emprego. Alice desfilou até a sala onde Otton estava sentado na mesma poltrona de sempre lendo um livro de contos:

_Alice? _Se questionou Otton, incrédulo em ver sua filha mais velha tão bem arrumada.

_Como estou? _Perguntou Alice, contente pela reação do pai. Ela esperava que Luís ficasse tão maravilhado quanto ele.

_Você está linda minha filha. _Disse otton deixando o livro de lado e se levantando para ver a filha de perto. _Vai sair a essa hora?

_Pai. Por favor. É que eu recebi uma proposta de trabalho. _Disse Alice.

_Proposta? De quem? Trabalhar aonde filha? _Disse Otton. _Você já não está trabalhando lá na clínica.

_É pai, estou fazendo um estágio na sua clínica. _Disse Alice. _É sua. Eu queria trabalhar sozinha, por mérito meu e não porque meu pai é dono do hospital.

_Eu entendi Lice. _Disse Otton. _Mas precisa se arrumar tanto assim para uma entrevista de emprego? Uma hora dessas?

_Aham, eu ainda não consegui o emprego, preciso impressionar ele. _Disse Alice.

_Ele? _Disse Otton retirado os óculos.

_Ai pai! Deixa eu ir, por favor. _Pediu Alice.

_Pode ir Alice, eu não estou te segurando. _Disse Otton cruzando os braços. _Só não estou gostando dessa história de você sair em pleno domingo a noite, com uma roupa dessas, para uma entrevista de emprego com um homem. Ele é seu namorado? Pode dizer, depois das coisas que acontecerão com sua irmã prefiro a verdade.

_Não pai, ele não é meu namorado. É só um jantar formal para conseguir um emprego. _Disse Alice.

_Sem segundas intenções? _Perguntou Otton.

_Sem primeiras, segundas, terceiras, nada. _Mentiu Alice, que esperava muito mais desse jantar do que um emprego.

_Vou fingir que não vi você sair. _Disse Otton voltando a se sentar. _Amanhã quero ouvir boas notícias sobre o emprego e nenhum comentário sobre o jantar.

_Tá pai. Prometo que vou chegar cedo. _Disse Alice indo até o pai e o beijando no rosto em seguida.

Otton retribui com um sorriso, o que é um milagre, enquanto Alice seguiu em direção a porta. Antes de tocar na maçaneta o telefone tocou:

_Deixa que eu atendo! _Disse Alice correndo da porta até o telefone.

Joaninha apareceu na porta da cozinha, enquanto Alice atendia ao telefone.

_Alô? _Disse Alice, esperando ouvir qualquer voz menos a da irmã.

_Alô? Lice? _Disse Anne do outro lado da linha.

_Anne? O quê aconteceu, você já está em São Paulo? _Disse Alice preocupada.

_Não, ainda não. Escuta. _Disse Anne. _Eu ainda estou no Rio, depois eu te conto o que aconteceu. Agora venha pra cá agora.

_Agora? Hã, como assim Anne? O quê está acontecendo? _Perguntou Alice.

_A polícia está atrás de mim. _Disse Anne Marrie do outro lado do telefone.

Alice esperava uma noite com emoções, mas para variar preferiria que elas não tivessem nada a ver com sua irmã. Não foi dessa vez.

Lomar era motorista da família Kaleb a menos de 3 anos, Tinha uma família pequena, uma mulher e uma filha, ganhava um bom salário e em troca disso, era um dos melhores funcionários do corpo serviçal da mansão dos Kaleb. A viúva Edna era a da família que mais requisitava os serviços do rapaz, na verdade tirando ela a família não era muito grande. Depois de perder o marido para o câncer Edna só tinha a filha Poliana como companhia, com a solidão veio o desespero de se casar novamente, e talvez a velhice não a ajudasse muito a ver que seu atual esposo tinha outras mulheres, muitas outras mulheres. No caminho de volta pra mansão depois de visitar a filha como de praxe todo sábado à noite, Edna vinha calada no banco de trás do carro até:

_Lomar, me desculpe por agora pouco. É que eu estou exausta e com muito frio, quero me deitar logo, não quis ser grossa. _Disse Edna ao motorista.

_Imagina senhora. Eu não me ofendi. _Disse Lomar.

_Eu sei que não. _Disse Edna.

O carro entrava pelo portão da mansão quando Lomar disse:

_Eu só estava tentando alertar a senhora sobre uma moça que estava parada na frente da casa da dona Poliana. _Disse Lomar.

_O quê? _Questionou Edna que realmente não entendeu o que Lomar disse.

_Tinha uma moça parada na frente da casa da sua filha. _Disse Lomar.

_Uma moça? Fazendo o quê Lomar? _Perguntou Edna.

_Parecia que ela estava procurando um endereço. _Disse Lomar. _Mas primeiro ela estava lá escondida olhando pra senhora e pra dona Poliana, quando ela me viu se assustou e começou a olhar na bolsa um papelzinho. Com certeza estava procurando algum lugar. _Disse Lomar.

_Como ela era? _Disse Edna desconfiada.

_Era bem novinha, deve ser de menor. _Disse Lomar.

_Menor, Lomar. Menor. _Disse Edna virando os olhos.

_O quê senhora? _Questionou Lomar sem entender o que disse Edna.

_Não se diz “de menor”, tira o “de”. O correto é dizer, “menor”. _Disse Edna. _Mas me fala. O que mais?

_Estava bem vestida, não parecia ser pobre, ou mendinga. _Disse Lomar.

_Mendiga Lomar, sem n depois do di. Mendiga. _Disse Edna revirando os olhos outra vez.

_Desculpe senhora. _Pediu Lomar.

_Continua homem de Deus! _Disse Edna quando o carro parou a porta da mansão.

_Está bem. A senhora quer que abra a porta do carro pra senhora? _Perguntou Lomar.

_Não Lomar. Senta aí e acaba de falar o que você começou. _Disse Edna.

_Sim senhora. _Disse Lomar. _Era bem bonita, os cabelos eram escuros e o...

_É ela. _Disse Edna antes de saltar do carro.

Lomar chegou a sair do carro quando percebeu que Edna havia saído, mas antes que ele pudesse dar a volta no carro para abrir a porta ela já estava entrando pela porta da mansão.

Edna correu em direção ao escritório e nem percebeu a empregada lhe chamar pelo nome. Sentada na poltrona ela discou para casa de sua filha, mas ninguém atendeu do outro lado. O telefone estava ocupado. Preocupada ela repetiu a ação várias vezes e sem sucesso ela desligou, sabia quem era a moça do lado de fora da casa de Poliana. Anne podia ser perigosa quando contrariada e todos sabiam que ela tinha motivos o bastante para fazer mal a alguém, principalmente naquela casa. A empregada entrou pela porta:

_Desculpe incomodar senhora, mas é que...

_O quê é isso Karen? Eu te chamei aqui? O que você quer? _Disse Edna com a mão sobre os olhos.

_Desculpa senhora, mas é que a dona Poliana ligou tem uns cinco minutos. _Disse Karen.

_Ai, graças a Deus. _Disse Edna.

_Mas é que ela não diss... _Tentou disser Karen.

_Está tudo bem querida, pode ir agora. Vai. _Disse Edna, mas Karen se manteve imóvel. _Anda menina, saí!

_Desculpa senhora, mas é que ela... _Tentou Karen de novo.

_MEU DEUS o quê está acontecendo com esses empregados hoje? _Disse Edna olhando para o alto.

_Com licença senhora. _Disse Karen antes de desaparecer pela porta.

Edna ficou aliviada por saber que Poliana estava bem, segura. Depois de um tempo chegou se lembrou que ela estava muito cansada e que o sono seria uma boa opção. Ao sair do escritório Edna se encontrou com Karen que a esperava na porta.

_Karen, o Andréas já chegou? _Perguntou Edna enquanto se encaminhava para as escadas.

_Não senhora, saiu depois da senhora e nem ligou pra dar satisfações até agora. _Disse Karen atrás de Edna.

Edna parou ao pé da grande escadaria que levava ao segundo andar da casa, e em seguida virou de frente para Karen.

_E eu to de olho em você heim mocinha! Alguém andou me dizendo que você está preocupada demais com meu marido. _Disse Edna. _Não quero perder mais uma empregada porque ela foi estúpida o bastante pra seduzir a marido da patroa.

_Quem disse isso senhora? _Disse Karen olhando para o chão.

_Eu disse neném. Eu vi como você fica expert em limonada na hora que o senhor Andréas está com sede na piscina. _Disse Edna. _Me desculpe meu bem, mas pelo menos das piranhas aqui dentro da minha casa eu tenho que ficar de olho.

_O quê isso senhora? _Disse Karen com as bochechas vermelhas.

_É. Espero mesmo que só sua bochecha fique quente quando você vir o senhor Andréas daqui pra frente, ouviu? _Disse Edna, voltando a subir os degraus.

_Sim senhora. _Disse Karen nervosa. _A... Senhora deseja mais alguma coisa?

_Não Karen pode dormir agora. _Disse Edna do alto da escada gigante.

O Rio amanheceu, para os amantes do verão, perfeito. Sol e mar em sintonia para os praieiros de plantão. Pra pegar uma onda, um bronzeado, alguns se sentavam nas areias ainda frias da praia. Para alguns daquela cidade maravilhosa nem tudo estava tão bonito assim. Digo isso pensando em Edna desacordada em seu sono, a velha chifruda e viúva nem imaginava que a sua filha estava naquele momento morta no chão de casa. Não lamento por Poliana ou Humberto jovens mortos pelas mãos da desafortunada Anne Marrie, lamento por Edna a pobre coitada que agora teria somente Andréas como família, e ela nem estava mais tentando se enganar de que ele era um bom marido. A notícia sobre sua filha não poderia chegar em pior hora. Se é que existe um bom momento para uma notícia de morte.

Ao abrir os olhos e apalpar o travesseiro vazio ao seu lado Edna já se irritou logo ao acordar. Depois de fazer toda a higiene pessoal Edna se maquiou como fazia todos os dias e desceu em seguida para tomar o café com a esperança de encontrar Andréas na mesa.

_Bom dia Ladies? _Saudou Edna, que apesar não ver Andréas a mesa estava de bom humor. Por enquanto.

_Bom dia Senhora Kaleb. _Disseram as serviçais como se estivessem ensaiadas.

_Quantas horas pelo amor de Deus? _Perguntou Edna enquanto se servia com biscoitos.

_Já são 10 da manhã senhora. _Respondeu Karen enquanto servia o suco à patroa.

_Alguém ligou? _Disse Edna.

_Não senhora. _Disse Karen.

_Nem minha filha, a Poliana? _Disse Edna.

_Não senhora. Ela só ligou ontem à noite, mas não disse nada então desliguei. _Disse Karen.

_Como não disse nada? _Questionou Edna que misturava seu chá.

_É senhora. Ela só perguntou por você ai eu disse que a senhora não havia chegado, ai eu ouvi um barulho e ficou mudo o telefone, eu fiquei esperando, chamando o nome dela, mas ela não respondeu. _Disse Karen.

_Ela não respondeu? A ligação caiu? _Perguntou Edna.

_Não, só ficou mudo. Parece que ela não estava me ouvindo. _Disse Karen.

_Que estranho. Vou mandar ela comprar outro aparelho ou será o daqui de casa que está ruim? _Disse Edna.

_Não sei dizer senhora. _Disse Karen.

_Manda chamar o Lomar, que eu vou dar uma passadinha lá. _Disse Edna.

No caminho para casa de Poliana e Humberto, Edna contou ao motorista o motivo da visita dominical.

_Não é estranho Lomar? _Perguntou Edna.

_É senhora. _Disse Lomar.

_Você acha que tem algo haver com aquela senhorita parada na frente da casa dela ontem à noite? _Perguntou Edna.

_Não sei senhora, talvez. _Disse Lomar.

_Torça para aquela moça não ser quem eu estou pensando que é, porque se for, eu vou ficar mais preocupada. _Disse Edna. _Eu falei pra Poliana: Filha, não muda para uma casa porque não é seguro. Disse até para o Humberto que era melhor se eles morassem em algum condomínio fechado. Com essa menina solta meu Deus, segurança é prioridade. Essa tal de Anne é perturbada. Os Fonseca fizeram de tudo pra afastar essa menina do meu genro e ela vem atrás dele aqui no Rio. O que ela quer, tentar matar ele de novo? Já falei pra ele entrar na justiça e conseguir uma ordem judicial pra ela ficar sei lá, uns 500 km de distância no mínimo. O pior é que minha neta também está correndo perigo com ela por ai. Vai que ela acha que sei lá, ela é filha dela. Já que o neném dela foi roubado né.

_Essa menina sofreu não é senhora? _Disse Lomar.

_Sofreu? _Disse Edna. _Quem sofreu nessa história foi o Humberto coitado, que ficou dias no hospital a beira da morte por causa dessa menina.

_Desculpa senhora. É porque a senhora disse que o filho dela foi roubado. Só fiquei com pena dela, é que eu tenho uma filha e não imagino como seria ficar sem ela. _Disse Lomar.

_Deve ser triste mesmo, mas isso aconteceu depois do caso dela com Humberto. Mas ela o culpa pelo seqüestro. É por isso que fico preocupada com minha filha, não quero perder ela por causa de uma doida igual essa menina. _Disse Edna.

Mal havia acabado de dizer aquelas palavras e o carro parou diante da casa do casal. Lomar acompanhou Edna até a porta da frente e mesmo depois de bater umas dez vezes ninguém havia aparecido.

_Ai meu deus, será que eles estão dormindo ainda? Já está tarde. Meu Deus! _Disse Edna quando os regadores se ergueram dos jardins e começaram a molhar a grama.

Com esforço para não se molhar Edna forçou o corpo contra a porta e com a mão na maçaneta sem querer a abriu. Antes que ela pudesse estranhar o fato da porta estar aberta o choque de ver o corpo da filha estirado no chão veio antes. Sem poder controlar as lágrimas que escorreram pelos olhos Edna se pôs de joelhos ao lado de Poliana enquanto Lomar seguia em direção ao quarto de bebê para acalmar Amanda que chorava sem parar.

20 minutos depois a polícia estava por todo lugar, recolhendo provas, tirando fotos e tentando contactar a principal suspeita. Uma tal de Anne Marrie. Depois de ouvir Lomar e Edna a polícia tinha sérias razões para acreditar que Anne era responsável pelos assassinatos. No quarto de hotel onde ela estava hospedada não havia mais ninguém, só a mala, só as roupas e nenhuma Anne. Os aeroportos, as rodoviárias e as estradas estavam vigiados não havia lugar em que Anne Marrie pudesse se esconder naquele momento. O dia passou e nenhuma notícia da jovem assassina apareceu, ninguém sabia do paradeiro da garota. Onde está Anne Marrie? Todos se perguntavam.

Já ouviu falar que aquilo que a gente procura está no lugar mais obvio de se procurar? Pois então, quem disse que ela saiu do número 76 da Rua Almerinda.

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