quarta-feira, 4 de junho de 2008

Capítulo 5: Uma surpresa para Anne Marrie

_A senhora pode tirar uma foto nossa aqui? _Disse um homem, provavelmente um turista a uma madame que estava sentada no banco da praça com seu cachorrinho.

_Claro. _respondeu a madame, enquanto enrolava a coleira na mão e segurava de um jeito desajeitado a máquina.

O homem então se juntou a uma mulher que o esperava logo atrás. Ela segurava nas mãos, grandes bexigas vermelhas em forma de coração. Os dois fizeram poses e antes que a madame conseguisse apertar o botão da máquina fotográfica, uma ventania passou sobre o casal, fazendo a mulher soltar alguns balões que dançaram no ar. A raiz da ventania se aproximou, um carro extremamente veloz passou por eles, foi quando a mulher finalmente apertou o botão. Da novíssima Polaroid para o chão a foto mostrava o casal virado de costas com os balões por toda a parte, o homem segurava a bunda da mulher que por sua vez tentava abaixar o vestido que estava voando e revelava sua calcinha vermelha. A madame se abaixou para apanhar a foto antes que seu cachorro a engolisse. E com certeza, ela estava mais preocupada com a saúde do seu cão do que com a mais nova lembrança do casal da perfeita e confusa São Paulo.

O Monza era um dos carros do ano, era extremamente veloz principalmente quando tinha alguém quase dando a luz a um bebê dentro dele.

Otton pisava fundo no acelerador enquanto Alice e Juliana acalmavam Anne no banco de trás, ela gritava sem parar e definitivamente não estava feliz com isso. Odiava passar por aquela tortura, odiava transpirar, e muito mais estar em um carro correndo por São Paulo adentro, ainda de pijama, o cabelo despenteado e o pior de tudo, com um ser humano prestes a brotar no meio da suas pernas.

_PAI ANDA MAIS RÁPIDO! _Gritava Anne para Otton.

_Não dá Marrie, aqui é São Paulo, é hora dos carros saírem pra passear. _Disse Otton ao volante costurando o trânsito.

_Pai vai com calma tá. _Disse Alice que segurava a mão direita de Anne.

_NÃO, CORRE PAI, CORRE! _Anne apertava a mão das duas.

_Calma Anne, nós já estamos chegando. _Disse Juliana, que ainda usava o uniforme da escola. _Nós vamos pra clínica?

_É. Meu pai já ligou pra eles, tá tudo pronto esperando a gente chegar. _Disse Alice.

O carro continuou o mais rápido que podia pelas ruas movimentadas de São Paulo, uma grande metrópole não era nem de longe sinônimo de sossego, paz e tranqüilidade. Principalmente quando se falava de São Paulo, que sempre foi considerada muitas coisas: A maior cidade do Brasil, das Américas e de todo o hemisfério sul, mas tirando as honras ao mérito e toda a glória que recebia, mesmo assim, São Paulo estava longe da perfeição. Para os paulistanos isso não importava, preferem acreditar no que faz de sua cidade a melhor de outras tantas, ao invés dos motivos que faziam dela a pior da maioria. Otton era um deles, que mesmo querendo reclamar do trânsito, não soltava uma palavra da boca. E olha que ele nem era paulistano de nascença, mas seu coração pertencia a São Paulo. Porque ele nunca tinha saído de lá desde que chegou da França. Se não já teria mudado.

Quando o carro parou a frente da clínica da família, uma cadeira de roda e duas enfermeiras esperavam por Anne no estacionamento. Descendo do carro primeiro Otton correu até a cadeira de rodas e a deslizou até a porta do passageiro por onde saíram Alice que segurava cuidadosamente Anne nos ombros e atrás das duas, Juliana vinha com uma grande bolsa cor de rosa com um elefantinho verde e amarelo pintado na lateral, nas mãos outra bolsa e uma pasta vermelha de documentos. Sentando cuidadosamente na cadeira com seu pijama roxo de bolinhas azuis Anne chorava desesperadamente enquanto uma das enfermeiras empurrava a cadeira até a entrada da clínica e a outra seguida de Otton, Alice e Juliana corriam atrás delas. Anne roendo os dentes de dor descansou a cabeça pra trás e viu quando abriu os olhos por um momento um céu extremamente azul com algumas nuvens, uma selva de pedra mais acima e flutuando a frente dos prédios um balão em forma de coração segurando um Monza vinho. Num largo sorriso natural ela disse:

_PARA, PARA AQUI!

Todos pararam na hora. Otton esbarrou na enfermeira que estava na sua frente, Alice correu a tempo de segurar seu pai por trás, antes que ele caísse.

_O QUE FOI MARRIE? _Gritou Otton.

Anne fechou os olhos engoliu o grito e abriu um sorriso:

_Pega lá pra mim. Pega aquele balão. _Anne Apontou o balão com sua mãozinha.

Todos olharam automaticamente para o inflado coração agarrado no carro. Uma das enfermeiras fez uma cara feia de quem não estava entendendo nada. Juliana sem questionar correu até o carro e apanhou o balão com dificuldade, para não deixar cair nada das mãos lotadas.

Quando as portas se abriram no hall da clínica, entrou na frente: Anne na cadeira de rodas segurando o balão que voava com a velocidade que era empurrada pela enfermeira, no encalço das duas vinha Otton, Alice, Juliana e por fim a outra enfermeira. Seguindo em direção a ala de gestantes os seis foram correndo pelos corredores e pelo caminho vinham outras cadeiras com outras mães, não tão novas quanto Anne, mas provavelmente com a mesma dor. Uma multidão gritava, chorava, corria pela clínica e com a mesma rapidez que apareciam pelo caminho elas desapareciam até que por fim Anne também por uma porta. Otton foi impedido de entrar na mesma sala que a filha pela segunda enfermeira que vinha atrás e sumindo pela porta ela o deixou, Alice e Juliana no corredor encarando os dizeres, “SALA DE OPERAÇÃO”.

_Que loucura heim? _Disse Juliana colocando as bolsas sobre o assento ao lado da porta.

_É. Uau! _Disse Alice ofegante se apoiando na parede ao lado da porta.

Otton andava de um lado para o outro na frente da porta.

_Calma pai, vai ficar tudo bem agora. Ela está sendo cuidada. _Disse Alice na sua vozinha aveludada.

_É. Se alguma coisa acontecer, é só você despedir os desgraçados. _Disse Juliana sorrindo entre uma respiração e outra.

Otton a olhou feio.

Alice, só pra variar, tentando tirar o clima ruim, que começava a ameaçar aquele momento tão bonito, começou:

_Pai? Porque o senhor não vai lá resolver o negócio das papeladas de uma vez, eu fico aqui e te aviso caso eles saiam pra falar alguma coisa.

Otton parecendo não ter ouvido o que Alice havia falado continuou andando de um lado para o outro preocupado, então disse:

_Não! Você está certa. Cadê os documentos da Anne?

Juliana estava segurando a pasta no alto, na direção de Otton. Ele encarou a menina nos olhos e num só gesto pegou a pasta vermelha das mãos da menina. Otton nunca gostou de Juliana, talvez por não achar certo que adolescentes engravidem de homens mais velhos e escondam isso dos pais. Mas ele agora não tinha muito o que reprimir nisso, já que sua filha havia feito o mesmo, inclusive com o mesmo “homem mais velho” que Juliana.

Otton seguiu até um corredor à esquerda e depois sumiu na esquina. As duas continuaram ali.

_O que aconteceu Ju? Lá na casa de vocês? _Perguntou Alice.

_Eu fui à aula de manhã normalmente... Ah bem lembrado, daqui a pouco vou ligar pras meninas pra contar que a Anne tá aqui. Então? Eu fui à aula normal. Cheguei, mas ela tava dormindo ainda, normal né? Fui começar a preparar o almoço pra ela e aí de repente. Eu não vi ela levantando. Tomei o maior susto quando ouvi ela gritando no banheiro. Corri lá, falei pra ela abrir a porta, perguntei pra ela o que era, perguntei se a bolsa tinha estourado e tudo. Aí te liguei na hora. _Disse Juliana encostada na mesma parede que Alice e as duas ainda estavam ofegantes depois da corrida. _Antes de você chegar, falei pra ela respirar com calma, tipo o cachorrinho lá né? Mas ela só ficava gritando, apertava minha mão e batia em mim, muito na verdade.

As duas riram de nervoso.

_Ela sempre ri muito, mais quando chora, ninguém merece, é muito mimada. _Disse Alice. _Você pegou tudo?

_Peguei a bolsa que você tinha deixado lá. É essa aqui não é? _Disse Juliana olhando pra bolsa de elefantinho que estava na cadeira entre as duas.

_É. É essa mesmo. _Disse Alice. _A Anne não queria comprar muita coisa, mas tudo que eu vi de neném eu comprei. Porque que ela é assim heim? Ela não quis nem fazer chá de bebê.

_A Anne é chata assim mesmo, toda cismada. _Disse Juliana. _E também... O filho sendo de quem é. Depois de tudo que ele fez pra ela. Sei lá, talvez ela desconte no bebê, sei lá a raiva dela pelo Humberto.

Fez-se silêncio depois daquela frase, pois as duas sabiam que isso era mentira. Elas sabiam que Anne ainda amava Humberto. E como.

_Juliana? _Começou Alice. _A Anne não tem saído de casa?

_O quê. Não sei se é ela que ama demais a casa ou se são os vizinhos que a deixam com medo. _Respondeu Juliana. _Ela não sai pra nada. Só quando eu insisto muito. Ela fica o dia inteiro alisando aquela barriga.

_Ah ainda bem. Porque aquela ali eu conheço. Quando fala que não vai fazer, é porque ela vai fazer mesmo. _Disse Alice.

_Ela não gosta de falar nele. _Disse Juliana.

_O quê? _Perguntou Alice, que mesmo entendendo o que Juliana disse perguntou de novo. Normalmente todos fazem isso.

_A Anne. Não gosta de falar nele, do Humberto. _Disse Juliana. _Ela sempre foge do assunto quando eu falo nele. Coitadinha. Eu acho que nem ela percebe.

_Ela faz muito isso. Não digo evitar falar dele, mas fazer as coisas sem perceber, sabe? _Disse Alice.

_É. _Disse Juliana. _Teve até um dia que a minha mãe foi lá em casa e a gente estava conversando normal, sabe? E sem querer ela falou do Humberto, não que fosse proibido, mas, ela não conhece a Anne igual à gente. A Anne levantou do sofá e foi pro quarto, tipo... Automaticamente, ela fez igual um robô. Igual.

_Eu queria acreditar que era só pegar um controle remoto e a mandar fazer o que a gente quisesse, mas. _Disse Alice.

_É. _Disse Juliana. _Será que ela ainda gosta do Humberto?

As duas se entreolharam de novo, confirmando a resposta de Juliana.

_Ela tem muito disso, sei lá. _Disse Alice. _Eu penso as vezes que o problema dela é amar demais sabe. Isso sempre me deu medo, ninguém consegue a fazer controlar isso. E o pior é que eu acho que ela não sabe disso.

_Sabe sim Lice! _Afirmou Juliana. _Sabe. E se isso for verdade mesmo. O amor incontrolável e tudo isso. O que fez ela tentar matar o Humberto?

_É. _Disse Alice pensativa. _Então você acha que tudo isso...

_Isso. _Juliana desencostava da parede e virava para Alice devagar. _Matar e tudo mais, foi pra livrar ela dele. Ela sabia que não podia deixar de amá-lo. O filhinho dele, pra ela, é uma continuação. Uma forma de deixar o amor dela pelo Beto viver. Já que ela não pode amar ele diretamente.

_Nossa Ju! _Disse Alice, que nunca tinha pensado nessa possibilidade. Não que Anne não fosse capaz. _Você acha mesmo que a Anne fez tudo pensado?

_Não, acho que não. Mas tudo foi sorte. Destino sabe? _Disse Juliana tirando um papelzinho de dentro do sutiã. _A Anne foi sortuda Lice. Quando eu falei pra ela que ele não tinha morrido, você lembra da cara dela.

_Mas ela rir é normal. _Disse Alice de boca aberta com o que estava ouvindo. _Não Ju, acho que você está exagerando. Muito.

_Tá bem. Posso estar aumentando as coisas. Mas é quando eu fico nervosa, sei lá. Começo a falar assim, tudo que me vem à cabeça. _Disse Juliana abrindo o papel com um número de telefone que Alice não conseguiu ver. _Ai meu Deus! Eu preciso tomar uma água. Que manhã foi essa?

Alice ficou olhando pra Juliana, muito desconfiada da amiga de sua irmã mais nova. Será possível aquela teoria monstruosa sobre Anne Marrie?

Juliana seguiu pelo mesmo corredor que Otton havia sumido há pouco segundos atrás. Meio cambaleando Juliana seguiu cruzando as pernas, Alice por um momento pensou que ela estaria bêbada, mas teve certeza que não, quando Ju desviou de uma cadeira de rodas que vinha a toda velocidade na direção contrária, com uma habilidade de contorcionista.

_Ow, olha a frente barriguda! _Alice ouviu Juliana gritar de longe.

Alice queimava os neurônios pensando nas teorias de Juliana sobre Anne: “Pode ser possível? Não. Seria muita loucura. Ficar grávida, só pra ter a quem amar, no lugar dele. Ela iria matar o Humberto só pra deixar de amá-lo. Será que só morto ela não o amaria? Não. Definitivamente é muita loucura. Loucura demais até pra Anne”.

Alice não conhecia muito Juliana, na verdade há conhecia muito pouco. Mas sabia que Ju tinha motivos o bastante para odiar Anne. Perder o namorado para melhor amiga é motivo o bastante pra qualquer um odiar muito mais a melhor amiga do que o namorado. Estamos falando da eterna batalha mulher versus mulher. Sempre uma querendo ser mais bem vestida, mais bem sucedida, com o melhor emprego, o namorado mais bonito e também o mais rico. Mostra quem manda. E os homens, é claro, se aproveitam disso. Como Humberto sempre fez, porque talvez soubesse disso ou simplesmente as entendesse. Porque a mulher não é e nunca foi um ponto de interrogação e sim uma exclamação. Uma afirmação de como cada uma pode ser complexa sem perder a simplicidade. Confuso. Mas o que seria da vida sem alguns desafios? E assim, cada uma de um jeito, com seus sonhos, manias, desejos e ambições a humanidade segue se rendendo as mulheres e pela sua capacidade absurda de amar. O amor talvez seja aquilo que até hoje a mulher nunca tentou lutar contra. Superado isso, o mundo será delas. Por enquanto os insensíveis homens cuidaram de tudo.

Humberto só deixava amores por onde passava. Mulheres desesperadas querendo mais, ele tinha o charme, o rostinho bonito e a malícia necessária para fazer qualquer um, até mesmo um homem se apaixonar por ele. Mas ele deixou ser amado pela menina errada.

Alice agora estava sentada na cadeira ao lado da bolsa de elefantinho. Esperando a mais de 1 hora alguma notícia sobre Anne, ela ficou ali sentada sozinha. Juliana não havia voltado e Otton muito menos. Alice ouviu o nome do pai ser chamado milhares de vezes no alto-falante. Tentando esquecer as coisas que Juliana havia dito horas antes, Lice se concentrava em outros assuntos como a prova que tinha que estudar pro dia seguinte, em qual seria o sexo do bebê ou na cara de Anne quando olhasse para o neném. Mas sempre as teorias malucas de Juliana voltavam na sua cabeça.

Otton se aproximava apressado pelo corredor oposto ao qual desaparecera.

_Pai onde o senhor estava? _Perguntou Alice.

_Cadê aquela menina? A Juliana. Não é esse o nome dela? _Perguntou Otton.

_É pai. É esse. _Disse Alice, virando os olhos. _Onde você estava?

_Eu fui entregar os documentos da sua irmã lá na recepção pra eles fazerem a ficha dela aqui na clínica. Pra poderem internar ela depois e o bebê também. _Disse Otton, olhando para todos os lados, menos para Alice.

_A Juliana, saiu aí. _Disse Alice. _Acho que ela foi ligar pra amigas da Anne, pra falar que ela tá aqui.

_A Marrie tem amigas assim? _Disse Otton olhando para Alice finalmente.

_Assim como pai. _Começou Alice. _Eu já disse pro senhor que A Juliana é uma menina boa...

_Não menina! Eu não estou falando da Juliana não, eu estou falando das outras. _Disse Otton para Alice que agora estava de pé.

_Como assim pai, das outras? _Perguntou Alice confusa ainda envolta nas teorias de Juliana.

_Eu estou perguntando se sua irmã tem tantas amigas assim? _Disse Otton, ligeiramente nervoso. _Eu só me lembro da Juliana Lessa.

_Ah. _Compreendeu Alice. _Sei lá, acho que sim. Disse a Juliana que ia avisar pras “meninas” que a Anne estava aqui.

_É. Tem muita coisa da sua irmã que eu ainda tenho que saber. _Disse Otton olhando para o relógio.

“Dr. Deville, precisam do senhor na recepção. Dr. Deville, precisam do senhor na recepção.” _Disse uma voz feminina do alto-falante.

_Eu sempre morei com uma estranha meu Deus! _Disse Otton ao sair por outro corredor.

Alice ficou olhando o pai desaparecer por outro corredor, enquanto caminhava de um lado a outro a fim de se distrair até que tudo terminasse e ela pudesse ver Anne e o bebê. Até que no fim do corredor Alice vê Juliana agarrada a um homem que permanecia quieto enquanto Juliana lhe falava bem próximo ao ouvido. Ao perceber o olhar de Alice o homem fez sinal para Juliana que se assustou a perceber que estava sendo vista.

Juliana disse, pelo tempo que continuou próxima ao homem, mais umas duas palavras e seguiu em direção de Alice enquanto o homem caminhava na direção contrária.

_Demorei? _Perguntou Juliana quando se aproximou de Alice o bastante para ser ouvida. Ainda andando.

_Não. Meu pai ficou aqui me fazendo companhia. _Mentiu Alice, corando levemente.

Começou Juliana quando finalmente parou a frente de Alice: _Aquele ali é meu namor...

_Não Ju! _Disse Alice. _Você não precisa me falar nada. Sem explicações.

_Não Lice, não tem problema. _Disse Juliana sorrindo. _Ele é meu namorado. Mas você sabe né? Tudo escondido, se minha mãe descobrir eu to morta.

_Tudo bem eu não vou contar nada. _Disse Alice, olhando para os lados, envergonhada.

_Tá tudo bem Lice, pode fazer qualquer pergunta. _Disse Juliana percebendo o constrangimento de Alice. _Eu sei que ele é mais velho. Mais os carinhas lá do colégio são muito bobos. Novinhos, sabe?

_Entendo. _Disse Alice sem graça. _Mas ele não é igual ao Humberto, é?

_Não mesmo. _Riu Juliana, tentando tirar o clima pesado.

As duas riram.

_Mas e aí como ele é? _Perguntou Alice com esforço.

_Ah. Ele é legal. _Disse Juliana. _Sabe? Ele não fica fazendo milhões de promessas, igual o Beto. Ele faz o que quer na hora que quer. Acho legal, ele tem atitude sabe? Sei lá, pra mim não parece mentira. Ele é sincero.

_Legal. _Disse Alice olhando para os sapatos.

_Legal? _Questionou Juliana. _Eu te contei meu segredo e você só diz “Legal”?

_Ai Ju. _Disse Alice, agora firmemente olhando pra Juliana. _É que eu não sou uma boa irmã mais velha sabe? Já me basta a Anne.

As duas riram.

_Eu sei. _Disse Juliana. _Mas é que você viu a gente né? Eu ia contar depois, quando a Anne estivesse em casa.

_Desculpa. _Alice estava vermelha.

_Nada Lice? _Disse Juliana, segurando a mão de Alice. _Ruim seria se minha mãe visse. Em você eu confio, não vai contar pra ninguém né?

_Não. _Disse Alice, quase automaticamente. _É claro que não.

Juliana riu da cara de Alice. As duas se sentaram.

_Fui eu que liguei pra ele. Mas não era pra ele vir aqui, por isso eu estava brigando com ele ali. Era só pra avisar onde eu estava. _Disse Juliana. _Liguei pras garotas. Elas ficaram muito felizes. Mas eu falei pra elas não virem aqui, a Anne não ia gostar.

_Por quê? _Perguntou Alice. _Elas não são amigas da Anne também?

_A Anne não gosta delas, na verdade a Anne não gosta de ninguém lá do colégio né?_Disse Juliana. _Tirando eu. Mas é porque as meninas sempre perguntam como ela está. Não acho mal dar algumas notícias sobre ela. Fiz errado?

_Não lógico que não. _Correu Alice a dizer, para que Juliana não pensasse que ela estava de marcação.

_Liguei pra minha mãe também. Ela já está vindo pra cá. _Disse Juliana. _Por isso briguei com ele. Imagina se minha mãe chega e vê a gente junto. Nossa! Eu ia ser expulsa de casa de novo, dessa vez da minha e da Anne, que é minha mãe que emprestou pra nós você sabe né?

_Sei. _Disse Alice.

Soraia Lessa vinha pelo corredor com um presente exageradamente embrulhado que lhe cobria todo o rosto. Juliana percebeu a mãe se aproximar e correu para ajudar antes que ela fosse atropelada por uma cadeira de rodas, como ela.

Alice se levantou para cumprimentar Soraia que vestia um traje casual, lançamento de uma grife famosa. As duas se bitocaram e Alice deu seu lugar a madame.

_Meninas? E aí como vamos? Cadê a Anne? _Começou Soraia. _Eu vim correndo. Ivo estava transtornadíssimo. E não é hoje o chá anual da família Lessa? Eu fiquei a semana toda planejando. Alice, inclusive se quiser dar uma passadinha lá depois as portas estão abertas ouviu?

Alice Sorriu educadamente em resposta.

_Mãe? _Disse Juliana que vinha colocando o enorme embrulho sobre outra cadeira a frente das duas. _A Alice não vai sair daqui agora. A Anne né?

_Juliana não seja boba. Quando o neném nascer a Anne vai direto pro quarto. Dormir. Agora me diga o que Alice vai ficar fazendo aqui? _Disse Soraia. _Mas como ela está?

_Não sei. Ninguém sai dali pra falar como está tudo. _Disse Alice pela primeira vez se preocupando com a demora de notícias.

_Calma Lice. _Disse Juliana. _Talvez nem começaram o parto ainda.

_Nossa! _Disse Alice. _A bolsa já tinha estourado, não é possível que ainda não começaram.

_MENTIRA, que ela chegou aqui com a bolsa estourada? _Disse Soraia.

_Mãe? Dá pra falar baixo. _Começou Juliana que logo descreveu todo o dia 26 de setembro de 1987 até aquele momento, pulando é claro o fato do namorado também ter feito uma visita a Anne.

_Juliana Lessa a senhorita trancou a porta direito? _Perguntou Soraia com os olhos fechados e o dedo erguido no ar.

_Mãe, por favor! _Juliana olhava para o corredor vazio, enquanto Alice ria da espontaneidade de Soraia.

_Sabe o que é Alice? _Começou Soraia. _ É que essas meninas não têm nada na cabeça, só querem saber de paquerar, só isso. E não lembram mais de nada, não tem responsabilidade.

_Entendo. _Disse Alice entre sorrisos.

_Olha aqui Juliana. _Disse Soraia apontando para Alice. _Isso sim é exemplo de moça, só pensa no futuro, estudar. E porquê? Não tem namorado.

Alice perdeu logo a alegria, Juliana olhou assustada para ela e depois pra mãe.

_Mãe! Chega tá. Acabou. _Disse Juliana a mãe.

_Ficou sem graça Alice? _Disse Soraia. _Fica não boba, você devia se orgulhar viu. Quem só pensa em namorar igual essa minha filha para aí oh, igual a Anne. Grávida.

_Mãe a senhora já está passando dos limites. _Disse Juliana segurando o braço da mãe.

Soraia percebera que havia passado dos limites. E Alice mesmo envergonhada disse para espantar o clima chato entre as três:

_E o Chá Sr. Lessa? Estava tudo correndo bem?

_Oh minha querida, tudo maravilhoso como sempre. Esse ano eu tive mais dificuldades para contratar o buffet, mas finalmente achei o cardápio ideal. _Disse Soraia, agradecida pela mudança de assunto. _Tive que procurar longe viu. Londres é uma cidade maravilhosa. A comida é fabulosa. E o clima, as pessoas, os CHÁS, tudo!

Juliana enviava a cara nas mãos. Alice voltara a sorrir. E as três continuaram ali conversando sobre o chá dos Lessa. Na verdade só duas, porque Juliana não participava da conversa a não ser pra mandar a mãe moderar nas palavras.

Otton vinha pelo mesmo corredor que sumira horas antes, já era noite. Quando avistou Soraia sentada ao lado de Alice, quis realmente dar meia volta, mas não o fez pois ela já o avistara e se levantava para cumprimenta-lo.

_Otton, querido! _Disse Soraia ao abraçar Otton.

_Soraia. _Disse Otton forçando uma voz amigável.

_Como vai o mais novo vovô de São Paulo? _Perguntou Soraia ao encarar Otton.

_Não seja boba, nasce uma criança aqui a cada dez minutos, eu não sou o mais novo. _Disse Otton no que pra ele seria gentil dizer naquele momento. Bem, melhor do que outra coisa. Vindo de Otton era até educado demais.

Alice o encarou com o mesmo olhar que Juliana fez a mãe durante todo aquele tempo.

_Ivo está lá em casa, no chá. _Disse Soraia. _Nós lhe enviamos o convite.

_É eu recebi. _Disse Otton tentando se livrar das mãos de Soraia que o cercavam. _Mas aconteceu tudo com a Anne, e você sabe né? Não tinha como eu sair daqui.

_Claro que não, é obvio. _Disse Soraia. _Mas não vou perdoar se você não nos der uma visitinha amanhã.

_Estarei lá. _Disse Otton que finalmente se livrou de Soraia e ia entrando na sala onde Anne estava durante o dia inteiro.

_Pai, onde o senhor vai? _Perguntou Alice.

_Vou ver se já sou vovô. _Disse Otton forçando um sorrindo para Soraia quando ela o encarou. _Já devem ter começado.

_Começado? _Disse Alice.

_É. Ela ficou em trabalho de parto durante o dia todo, só agora me avisaram que iam levá-la pra mesa de operação. _Disse Otton segurando a porta com o corpo.

_E você sabia e não me disse nada o dia inteiro? _Disse Alice ligeiramente brava, bem ligeiramente.

_Alice, agora não. _Disse Otton desaparecendo por trás da porta.

Alice não sabia se ficava com mais raiva do pai que não a avisou de nada, ou se de Anne que não teve esse bebê mais rápido.

_Calma Alice. _Disse Juliana sorrindo. _Eu não falei, essas coisas são assim mesmo.

_Oh meu Deus o que te ensinam naquela faculdade meu bem? _Disse Soraia.

_MÃE? _Gritou Juliana para a mãe.

Depois daquela tarde cheia das “frases da Soraia” nada mais incomodava Alice, nada que saísse da boca de Soraia.

As três ficaram esperando do lado de fora da porta, e não podiam se ater ao choro do neném porque haviam milhares deles vindo de todos os corredores e portas, e não era possível distinguir qual era o do bebê de Anne.

Com um grande frenesi saíram finalmente da sala algumas enfermeiras e outros médicos que Alice nem viu entrar. Nas mãos de uma das enfermeiras Alice e as outras perceberam um pequenino bebê embrulhado em vário panos. Mas não deu pra ver o rosto.

_É menino ou menina? _Perguntou Alice, sorridente. Foi à primeira coisa que conseguiu dizer depois de tanta espera.

_Menino. _Disse à enfermeira que vinha logo atrás do grupo médico.

Sem conseguir se controlar Alice se agarrou a Juliana e pularam junto com Soraia, e gritavam tamanha era à felicidade das duas.

A noite passou rapidamente ao contrário do dia arrastado a frente da sala. Anne já estava no quarto dormindo desde que voltou da cirurgia. Juliana havia voltado pra casa com a mãe que com certeza voltou ao seu fabuloso chá. Alice dormiu no quarto de Anne no hospital no sofá colocado ao lado da cama. Otton continuou trabalhando madrugada a dentro e ao amanhecer despediu das filhas e do neto no berçário e foi pra casa descansar. Quando Anne finalmente abriu os olhos, lá estavam Alice e Juliana prontas pra outra, Alice nem tanto, pois de todos foi à única a não voltar pra casa para descansar. O presente de Soraia Lessa era nada mais nada menos que um elefante de pelúcia gigante que agora enfeitava o quarto hospitalar de Anne junto com flores e caixas de bombons.

Anne amanheceu diferente de todos os dias da sua vida. Pela primeira vez ela tinha motivos sinceros e puros para amar. Podia amar seu filho como todos esperavam que ela amasse, sem medos, sem ter que fingir nada, nem disfarçar seu sorriso. Sentia junto ao seu peito um amor tão grande que comparado ao que ela sentia por Humberto era ridículo. Insignificante. O amor por Humberto não existia mais, sumira. Talvez o bebê o tenha substituído por completo e com méritos. Ela ainda podia sentir o amor pela irmã e pela amiga que a beijavam e a parabenizavam por ser mãe. Anne Marrie, Mãe.

O novo amor de Anne Marrie a chamava em silêncio, pedindo colo. Então a primeira coisa que Anne disse:

_Cadê meu filho?

Alice e Juliana riram com Anne e Lice logo disparou para fora da sala à chamar pela enfermeira.

Sem controlar o sorriso no rosto e sem motivos para disfarçá-lo, Anne esperou ansiosa por seu filho.

A enfermeira entrou no quarto e seguiu até a cama de Anne.

_Cadê meu filho? _Perguntou Anne sorridente à enfermeira baixinha.

_Seu filho? _Começou a enfermeira. _Deve estar em casa agora. Daqui a pouco a senhora também vai ganhar alta.

_Espere ai! Como assim em casa? _Perguntou Juliana enquanto olhava para cara de espanto de Alice e Anne.

_É. _Disse a enfermeira olhando para Anne. _Seu marido o levou. O pai, não é?

_Como assim o pai? _Perguntou Alice.

_Sim. O Senhor Humberto Fonseca. _Disse a enfermeira olhando para as três garotas que se entreolhavam sem dizer uma palavra, apesar das bocas estarem abertas. Uma surpresa para Anne Marrie.

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