domingo, 31 de agosto de 2008

Capítulo 18: Um anjo chamado Anne Marrie

João acordou assustado quando sua irmã Patrícia o cutucava devagar:

_João? João? Acorda! Eu preciso ti falar uma coisa. _Disse patrícia aflita e abaixada à beirada da cama.

_O quê foi menina, o quê é? _Perguntou João assustado.

_Se a mamãe e o papai perguntar onde eu fui, tu fala que eu fui na casa da Louísa. _Disse Patrícia. _Tá bom?

_Tu não vai na casa da Louísa? _Perguntou João ainda meio dormindo.

_Não! Quer dizer... é... Vou. _Disse Patrícia.

_Sei. _Desconfiou João. _Onde você vai Patrícia?

_Na casa da Louísa, já disse pra ti. _Disse Patrícia.

_Então porque tu não diz isso pra eles? _Disse Patrícia.

_Porque são seis da manhã. _Disse Patrícia.

_6 da manhã? _Disse João. _E tu me acordou as seis da manhã, pra me dizer que vai na casa da Louísa?

_É. Porque eles não acordaram ainda. _Disse Patrícia.

_O que tu vai fazer na casa da Louísa há essa hora? E pior, com a Louísa. _Disse João sentando na cama e esfregando os olhos.

_Eu? Eu não vou fazer nada. _Disse patrícia.

_Vocês estão andando muito juntas Pati, eu nem preciso avisar pra ti não é? _Disse João.

_João o que ela fez foi com vocês, eu não tive nada a ver com essa história. _Disse Patrícia.

_Mas quem avisa amigo é. _Disse João. _Mas eu sou irmão se tu se ferrar é problema seu, eu não vou dizer nada.

_Ainda bem. _Disse Patrícia ao se levantar.. _Mas tu vai dizer pra eles não é?

_Diz tu quando eles acordarem. _Disse João esfregando as remelas no canto dos olhos.

_João, por favor. _Pediu Patrícia com os olhinhos brilhantes.

João continuou a esfregar os olhos, levantou o olhar por um momento, mas voltou a baixá-los desinteressado.

_Eu fico te devendo uma mentira. _Disse Patrícia.

Sem pensar João estendeu a mão:

_Aceito. _Disse João. _Então quer dizer que tu está mentindo, tu não vai na casa da Louísa?

Patrícia ficou parada sem resposta.

_Ainda bem que eu sou sua irmã. _Disse Patrícia deixando o quarto. _Não tenho que te contar meus segredos.

João ficou sentado na beirada da cama, olhando Patrícia deixar seu quarto sorrindo, devagar ele colocou os pés para fora da cama e demorou alguns segundos para se levantar e ir até ao banheiro, antes de voltar pra cama.

João era o filho mais velho da família Pinho Medeiros que era composta por quatro membros contando com o garoto. Marina e Roberto mantinham um casamento saudável, me atrevo a relatar que eles seriam Romeu e Julieta se ainda fossem vivos. O amor na sua mais pura essência. Quem olhava o dia a dia daquela família pensaria novamente na palavra casamento, isso se o marido ou a mulher fossem Romeu e Julieta, quero dizer, Roberto e Marina. Desde o primeiro beijo na escola até a troca das alianças, a boa sorte os acompanhou, quando veio a notícia de que Marina não poderia engravidar, a vida daqueles dois era triste e sem esperanças. Como eles poderiam ser tão felizes, felizes por completo, sem filhos? A resposta veio chorando e com as fraudas sujas. Quando eles adotaram João... Ops! É isso mesmo, João é adotado, tem gente que vai ficar muito feliz em saber disso. Mas vamos continuar: João era o bebê mais lindo que alguém podia querer ter na vida. Os cabelos dourados, os olhinhos azuis e brilhantes faziam qualquer um dizer: Benza ô Deus! Agora sim aquela família estava completa, feliz, vivendo os sonhos que sempre desejaram viver, o que com certeza a Julieta e o Romeu sonharam também, não só eles, mas a Cinderela, a Branca de Neve, A Bela adormecida, e todas elas. Sabe aquela famosa frase “E viveram felizes para sempre”? Ela não faz parte somente dos contos, ela aconteceu de verdade com Roberto e Marina, eu não sei quando é para sempre, mas já tem um tempão que os dois se amam e nunca, jamais pensaram em se separar, em deixar de amar, não existia desconfiança, mas sim muita confiança. Eu exagerei no para sempre, então adaptemos para a realidade, aquilo que todo marido e mulher juram diante de Deus no altar, aquele papo de amar e respeitar até que a morte os separe, Roberto e Marina seguiam essas palavras para todo sempre, por toa vida, até que enfim a morte os separe. Entendeu? Deus muito satisfeito e feliz no dever cumprido pelos seus adoráveis filhos Roberto e Marina, decidiu recompensar tamanha dedicação dos eternamente apaixonados, quando Marina parou de menstruar. Preocupada ela foi até o médico para fazer alguns exames, constatar o que estava de errado com ela, qual era o problema? O nome dele, ou melhor, dela, era Patrícia. A menina mais linda que se podia imaginar para quem antes não poderia ter nem uma feinha. Agora sim, estava tudo completo. A família perfeita, o projeto de Deus para se redimir diante da tragédia de Romeu e Julieta.

Ai que lindo! O amor finalmente não está fazendo vitimas nessa história. Que mentira! E a Alice e o Luís que estão ai pra não me deixar dizer o contrário? Eles são felizes assim também. Não são? Voltemos pro sul. Um breve e próximo futuro não guarda muitas felicidades para esse casal, algumas coisas iram mudar. Esperem e verão, a tragédia deles ainda nem começou.

Deixemos isso pra depois.

João desceu para o café e lá estavam sentados a mesa seu pai Roberto que era além de um... Um... Um excelente não, um Pai e um marido perfeitos, ele era também um renomado cirurgião do sul do país, já Marina tinha uma clinica de estética, a única de Rosa Velha. Os três desfrutavam tranquilamente o lanche da manhã até:

_Cadê tua irmã, que não desceu até agora para o café? _Perguntou Marina.

João congelou no assento ele não tinha o habito de mentir, muito menos pra encobrir algo que a irmã provavelmente estava fazendo de errado.

_É João, cadê ela? _Perguntou também Roberto.

João pensou em três segundos e decidiu:

_Ela... A Pati está na casa da Louísa. _Disse João finalmente.

_Você tem que conversar com ela Marina, ela não pode continuar andando com essa menina. _Disse Roberto preocupado.

_Roberto não seja bobo meu amor, elas são amigas. Não tem nada demais. _Disse Marina.

_Isso só depois que o João e os garotos brigaram com ela e com toda razão. _Disse Roberto.

_Concordo pai. _Disse João.

_A Louísa tem problemas em casa, vocês sabem disso. _Disse Marina.

_Justifica alguma coisa? _Disse João.

_Não filho, não justifica, mas é o jeito que ela encontrava de se acalmar, eu acho. _Disse Marina. _Eu fazia isso.

_Tu tinha um diário? _Perguntou João.

_Tinha. Mas parei de escrever nele quando comecei a namorar seu pai. _Disse Marina se inclinando para beijar o marido ao seu lado.

_O que quer dizer no jardim de infância. _Disse João sorrindo.

_Não foi tão cedo assim. _Disse Roberto. _Apesar de que eu não iria achar nem um pouco ruim ter conhecido sua mãe no berçário.

_Ai amor, que lindo! _Disse Marina ao se inclinar novamente para o marido.

_Que doce! _Zombou João.

_Tu diz isso agora, quero ver daqui a uns 10 anos, tu vai estar pior que a gente. _Disse Roberto. _Tu vai estar melado pela Piedra, não um doce.

_Não vai ter quinze anos pra isso acontecer. _Disse João.

_Isso porque já está acontecendo? _Perguntou Marina sorrindo junto com Roberto.

_Não mãe. _Disse João. _É porque eu não quero casar com a Piedra, eu não gosto dela assim.

_Mas porque filho vocês se dão tão bem. _Disse Marina.

_Eu sei mãe, mas eu não, sei lá, eu não gosto dela igual vocês gostam um do outro sabe. _Disse João. _Quando eu casar, se eu casar, eu quero algo sólido assim como o casamento de vocês.

_Que história é essa de quando eu casar? _Disse Marina. _Eu quero tu casado sim senhor, quero ter netinhos e quero ser sogra, daquelas chatas.

_Mãe? Você chata, tu não consegue. _Disse João.

_É verdade amor, você não consegue ser chata. _Disse Roberto que dessa vez se inclinou para a mulher para lhe dar um beijo.

_Dá pra parar vocês dois! _Pediu João firme. _Pára com essa beijação, não dá pra deixar de gostar só um pouquinho. Tipo, agora é hora de amar o pão, depois vocês voltam a se amar de novo. Meu Deus!

_Eu não amo pão, porque pão engorda. _Disse Marina enquanto João virava o olho. _E seu pai eu nunca vou deixar de amar, nunca.

Os dois voltaram a se inclinar nos assentos para encontrar os lábios.

_Ai meu Deus. _Disse João. _Ainda bem que eu não tenho esse sangue.

_João? Isso é maneira de falar? Sua mãe não gosta. _Disse Roberto firme.

_Desculpa, foi brincadeira. _Disse João se levantando da mesa e pegando alguns biscoitos na mão. _Eu sou seu filho de qualquer jeito, amo mamãe, amo papai e tô de saída.

_Aonde tu vai? _Perguntou Marina ao receber o beijo do filho na bochecha.

_Vou trabalhar. _Disse João beijando o pai no rosto.

_Trabalhar? _Perguntou Roberto. _Desde quando tu trabalha?

_Ah querido, eu te falei ontem sobre isso. _Disse Marina. _Ele e o Rafael estão trabalhando juntos, em quê mesmo filho?

_Designer mãe, a gente montou uma agência. _Disse João ao sair da sala de jantar. _Tô indo tchau, amo vocês, fui!

_Eu paguei por isso? _Disse Roberto.

_Pagou, ele te pediu o dinheiro semana passada. _Disse Marina.

_Lembrei. _Disse Roberto. _Mas eu nem sabia que era pra montar uma agência.

_Ele está muito empolgado com o assunto. Não estrague nada. _Disse Marina.

_Não, lógico que não. _Disse Roberto. _Nem foi tanto dinheiro assim.

_Ele me disse que o Paulo ajudou também. _Disse Marina.

_Que bom. _Disse Roberto. _Que bom que eles estejam pensando no futuro, em algo mais concreto, em trabalhar.

_A gente tem que dar graças a Deus, todos os dias por ter nos dado esse filho maravilhoso. _Disse Marina.

_Eu agradeço. _Disse Roberto.

_Que pena que a Piedra não esteja nos planos dele, eu gosto tanto dela. _Disse Marina.

_Eu prefiro assim, ele se dedicando ao trabalho. _Disse Roberto. _Tu mesma ouviu ele dizer que não a ama.

_É. É melhor mesmo ele não se prender a ela agora. _Disse Marina.

_Mudando totalmente de assunto. _Disse Roberto. _Onde está a Patrícia mesmo?

_Na casa da Louísa. _Disse Marina.

_O quê essas meninas estão fazendo às 9 da manhã? _Se perguntou Roberto ao morder um pedaço da torrada com geléia.

Patrícia estava apreensiva, nervosa, afinal ela nunca tinha feito isso antes. As duas andavam pelas ruas do Moinho.

_Louísa porque a gente não manda os meninos irem pegar isso? _Perguntou Patrícia apertando a mão da amiga.

_Pati, qual o problema? _Disse Louísa sorrindo. _Eu já vim aqui uma vez, tá!

_Mas tu estava com os meninos, não veio aqui sozinha. _Disse Patrícia.

_Eu não estou sozinha, estou contigo. _Disse Louísa.

_Repito: Sozinha. _Disse Patrícia nervosa.

_Calma Pati, calma! _Pediu Louísa. _Ele era da sala do seu irmão.

_E daí? _Disse Patrícia. _Isso não deixa ele pior do que ele é.

_Ele não é igual aos outros traficantes normais. _Disse Louísa. _Ele é gente boa, igual à gente.

_Ele é traficante. _Disse Patrícia. _Traficante!

_Ai falando assim parece que ele é um criminoso. _Disse Louísa.

_Ele é. _Afirmou Patrícia.

_Tu precisa dele. _Disse Louísa. _Agora ele é seu amigo.

_Eu vou pagar. _Disse Patrícia. _Ele não é meu amigo.

_Mas ele vai te vender a erva não vai? _Perguntou Louísa. _Tu tem um problema e ele tem a solução, qual o problema de ele cobrar por isso?

_Eu não estou com um problema. _Disse Patrícia. _Eu posso muito bem esperar até amanhã, os meninos vem aqui pegar pra gente.

_Mas eu não posso esperar, preciso disso agora! _Disse Louísa. _Deixa de ser santinha Pati, está parecendo seu irmão.

_Eu não sou igual a ele. _Disse Patrícia. _Só não acho seguro a gente vir aqui comprar drogas.

_Ninguém aqui sabe que ele vende. _Disse Louísa. _Se alguém vir a gente por aqui, não tem problema nenhum. Qualquer coisa a gente só está visitando um amigo de escola.

_Ele não estuda mais. _Rebateu Patrícia.

_Dá pra parar de tentar me fazer desistir. _Pediu Louísa nervosa. _Que saco, eu já falei pra relaxar, ninguém vai ver guria.

_Desculpa. _Pediu Patrícia envergonhada.

_Se tu quer continuar a andar comigo, é só calar a boca e andar comigo. _Disse Louísa.

_Não é isso Louísa, não precisa ficar nervosa. _Disse Patrícia. _Eu já pedi desculpas.

_Me desculpe também. _Disse Louísa. _É que tu fica sempre me questionando, como se eu fosse a ruim sabe?

_Desculpa, mil desculpas. _Disse Patrícia arrependida. _Eu só estou nervosa com isso tudo.

_Faz parte Pati. _Disse Louísa. _Ter contato com o traficante é normal.

_Eu só... Não estou acostumada. _Disse Patrícia. _E porque precisa ser tão cedo?

_É o horário mais tranqüilo, e toda vez que eu vinha aqui com os garotos era há essa hora. _Disse Louísa. _Quando começa a usar é difícil de parar Pati, qualquer hora é hora.

_Mas eu pensei que fosse mais fácil, mais rápido e menos complicado de conseguir. _Disse Patrícia.

_Eu te dei o primeiro bagulho, e o segundo, e o terceiro e por ai vai, mas isso porque tu tava fora. _Disse Louísa. _Agora tu ta dentro.

_Dentro? _Questionou Patrícia.

_Quis dizer que tu está viciada. _Disse Louísa.

_Eu não estou viciada. _Afirmou Patrícia.

_Está sim. _Disse Louísa. _Negar é o primeiro sinal do vicio.

_Não é não, eu não estou sentindo falta de nada. _Disse Patrícia. _Nem estou querendo tanto assim.

_Está sim, só não sabe disso ainda. Daqui a pouco seu corpo vai começar a pedir, ele vai sentir falta da erva. _Disse Louísa. _O desejo não é racional, quando teu corpo perceber a falta, ele vai pedir e acredite é quase impossível resistir. E não é ruim é?

_Não. _Disse Patrícia ainda confusa com toda aquela conversa.

_Então, relaxa e aproveita. _Disse Louísa. _Vai ser rápido ele já me conhece, a gente bate na porta, pedi o que a gente quer e volta pra casa, só isso.

_Está bem. _Disse Patrícia.

As duas seguiram a passos largos até ao norte do Moinho. A casa de André parecia normal por fora, Patrícia se chocou ao constatar um frontispício branco com arquitetura clássica com adornos de madeira, desenhando ao todo uma clássica e elegante mansão.

_É aqui mesmo? _Perguntou Patrícia diante da surpresa.

_É aqui. _Disse Louísa. _Viu? Ninguém desconfia, ninguém.

Louísa se aproximou da porta e Patrícia a acompanhou. Louísa tocou a campainha uma vez, duas vezes, três vezes.

_Hei calma! _Pediu Patrícia.

_Eu estou calma. _Disse Louísa inquieta.

_Eu atendo. _Disse André do outro lado da porta. _Quem é?

_Louísa. _Disse Louísa.

_Quem? _Perguntou André do lado de dentro.

_Louísa. _Repetiu Louísa.

_Fala outra coisa. _Disse Patrícia.

_O quê? _Perguntou Louísa soando nas mãos.

_Sei lá, qualquer coisa menos seu nome. _Disse Patrícia. _Ele não ti conhece. Vamos embora, ainda dá tempo.

_Não calma ai. _Disse Louísa. _É... Deixa eu ver... Ah já sei.

_Quem é? _Voltou a perguntar André.

_É... Eu sou amiga do Carlos Venturini. _Disse Louísa. _A novinha.

André abriu a porta.

_Ah novinha, agora eu me lembrei de você, você é novinha, mas tu é gostosa pra caramba. _Disse André. _Que tal repetir aquela noite heim?

_Não. Foi só uma noite e tu é péssimo na cama. _Disse Louísa sorrindo.

Patrícia não conseguia rir diante da situação.

_E essa ai? _Perguntou André.

_É minha amiga. _Disse Louísa. _Tu acha que a gente está aqui fazendo o quê? Me vende logo a droga.

_Filho, quem é? _Perguntou uma voz feminina de dentro da casa.

_Ninguém mãe, já estou entrando. _Disse André.

_Quem é? _Perguntou a mãe de André.

_Alguém pedindo informação, já estou entrando. _Disse André. _Esperem aqui, eu vou buscar. Quanto?

_O mesmo que o Carlos pega. _Disse Louísa.

_As gurizinhas dão conta? _Perguntou André.

_Tu não sabe do que eu sou capaz. _Disse Louísa.

André riu, encarou Patrícia dos pés a cabeça, entrou para casa e fechou a porta.

_Você já... Já, já com ele? _Perguntou Patrícia.

_Já, mas eu estava tão viajada que tava tudo dormente, eu não senti nada. _Disse Louísa sorrindo. _Mas cadê esse menino com essa PORRA?

_Calma Louísa, credo o guri mal deve ter chegado às escadas. _Disse Patrícia.

Louísa soava nas mãos, piscava muito os olhos e tremia levemente o corpo, parecia nervosa a beira de um ataque.

_Eu estou bem, só espero que ele não demore. _Disse Louísa.

Depois de alguns minutos André apareceu e entregou discretamente as garotas uma caixa rosa com um laço grande em volta.

_Coloquei nessa caixinha da minha mãe, pra ninguém desconfiar. _Disse André sorrindo.

_Está bem obrigada. _Disse Louísa quase arrancando a caixa das mãos dele.

Louísa sem pensar começou a desfazer o laço a fim de começar a usar a droga ali mesmo, tamanha era sua necessidade.

_O quê é isso guria? Tu tá doida? _Disse André sério. _Usar isso aqui na porta da minha casa?

_Desculpa. _Disse Patrícia. _Louísa espera chegar em casa primeiro, tem gente passando ai na rua.

_Então vamos embora. _Disse Louísa puxando o braço da amiga.

_Espera! _Disse Patrícia. _Você não vai pagar?

_Tudo bem eu coloco na conta do Carlos. _Disse André.

_Quê Carlos? _Perguntou Patrícia.

_Ninguém. _Disse Louísa apressada. _Vamos, agora!

_Não paga ele, eu te dei o dinheiro pra você pagar. _Disse Patrícia.

_Não ouviu ele falando guria? _Disse Louísa. _Ele vai colocar na conta do Carlos.

_Louísa dá o dinheiro agora, era esse o combinado. _Disse Patrícia.

_Esse aqui a gente vai usar de outro jeito agora. _Disse Louísa sorrindo.

_Eu sei de um jeito que vocês podem me pagar. _Disse André sorrindo também. _Eu vou dar uma festa aqui em casa hoje, meus pais vão sair e a casa vai ficar livre o fim de semana todo, começando por hoje.

Louísa abriu um sorriso largo enquanto Patrícia prendia o fôlego. Uma festa de TRAFICANTE?

_Porque não? _Disse Louísa. _A gente vem, num vem Pati.

_Não sei, como que eu vou explicar pros meus pais? _Perguntou Patrícia.

_Eu te ajudo na mentirada, o foda é seu irmão que fica sacaneando tudo. _Disse Louísa brava. _Estragou minha vida e agora vai ficar me perseguindo, só pra me atormentar mais.

_Quem é seu irmão guria? _Perguntou André.

_João Pinho Medeiros. _Disse Patrícia receosa.

_Esse cara era da minha sala, ele me negou uma cola você acredita? –Disse André.

_Ele é assim. _Disse Louísa. _Ele me irrita.

_Vamos embora Louísa. _Disse Patrícia.

_Mas vê se aparece guria. _Disse André. _Vai bombar a festa, vai ter droga da melhor.

_Eu venho. _Disse Louísa.

_Não sei. _Disse Patrícia tentando se livrar daquela situação. _Tem meus pais, meu irmão.

_Eu já te disse que isso não é problema, eu te ajudo na mentira. _Disse Louísa. _Eles não vão descobrir nunca.

_Não sei. _Disse Patrícia.

_Olha se der para aparecer aparece se não fodas também. _Disse André antes de bater a porta na cara das garotas.

Enquanto isso João estava sentado em frente ao computador finalizando uma arte por encomenda.

_Rafael? _Chamou João. _Chega aqui.

Rafael se levantou do seu computador mais a frente e se aproximou de João.

_E aí? _Perguntou João.

_Está bom João. _Disse Rafael. _Mas não está faltando nada aqui não ô.

Rafael apontou com o dedo para a figura na tela.

_Mas tô achando que já tem muita informação. _Disse João.

_Tentou mudar a cor? _Perguntou Rafael.

_Não posso porque essas são as cores da empresa do cara. _Disse João.

_Entendi. _Disse Rafael olhando atentamente a figura. _Então acho que acabou, está pronto.

Os dois ficaram ali olhando a figura por um tempo analisando atentamente o resultado final de uma arte que João fez para atender um cliente que precisava de um novo logo para sua empresa.

_Está ótimo João. _Disse Rafael voltando a piscar. _É só se acostumar um pouco que fica bom.

_É. _Concordou João virando um pouco a cabeça para ver de outro ângulo.

_Dá pra finalizar tudo ai pra ir pra gráfica hoje ainda? _Perguntou Rafael.

_Claro, eu só vou vetorizar aqui e pronto. _Disse João. _E tu acabou?

Os dois levantaram e foram até a mesa de Rafael, que sentou na sua cadeira.

_Eu tô enrolando, não está pronto ainda. _Disse Rafael. _Mas tá tranqüilo.

_Tem uma semana que tu está com esse ai pra fazer. _Disse João.

_Eu tô enrolando pra segurar o serviço. _Disse Rafael. _Se eu entregar esse aqui, nós vamos ficar sem serviço nenhum.

_No começo é assim mesmo guri. _Disse João rindo. _Esses dois foram só os nossos primeiros clientes, depois a gente vai ganhando mais. Se eles gostarem eles vão nos indicar pra outras pessoas e é assim que a gente vai ganhando terreno por aqui.

_Eu não confio nessa propaganda boca a boca. _Disse Rafael. _A gente deveria distribuir uns panfletos nas empresas.

_Eu já fiz isso. _Disse João. _Coloquei papel em todas as gráficas que eu vi pela frente.

_É pouco. _Disse Rafael. _Aí, até agora não apareceu ninguém aqui, não entra ninguém na loja.

_A gente vai pensar em alguma coisa. _Disse João. _Agora termina ai logo, pra gente poder ficar livre essa tarde.

Arte & Arte era o nome da pequena empresa de designer dos garotos e quando digo pequena é exatamente o que estou querendo dizer. Era bem moderna, mas simples nada magnificente. Na frente uma grande parede de vidro com os dizeres escritos em vermelho, um balcão separava uma pequena área na frente da loja com alguns acentos e cadeiras coloridas, do outro lado duas mesas dos únicos donos e únicos empregados do pequeno empreendimento. Dominantes de uma habilidade incrível, conhecimento técnico de programas informáticos e uma criatividade que transbordava brilhantismos e beleza. Eles haviam começado a pouco tempo, precisavam conseguir espaço entre as outras grandes empresas de publicidade para conseguirem um luar significativo na disputa do mercado do designer. Eles tinham a arte nas mãos, eles precisavam de alguém com tino comercial e publicitário para alavancar sua empresa.

_Acho que está bom assim. _Disse João ao aprovar o trabalho do amigo.

_É também gostei do resultado. _Disse Rafael.

_Então salva ai pra eu passar na gráfica e resolver tudo de uma vez. _Disse João.

_Hoje não. Vamos deixar pra amanhã. _Disse Rafael. _É que eu ainda quero mexer em algumas coisas aqui, ainda hoje.

_Mas tu não falou que terminou? _Disse João. _Não queria que tudo fosse pra gráfica hoje?

_Queria, mas eu ainda quero mexer mais, não sei, acho que ainda está faltando alguma coisa. _Disse Rafael.

_Está bem. _Disse João. _Eu precisava voltar pra casa mais cedo mesmo.

_Pra quê? _Perguntou Rafael.

_É a Patrícia. _Disse João. _Ela me acordou hoje de madrugada pra eu poder mentir pros meus pais.

_Mentir? _Perguntou Rafael enquanto salvava seu trabalho no computador. _Como assim?

_Ela pediu pra eu dizer pros meus pais que ela estava na casa da Louísa. _Disse João.

_Louísa é encrenca cara. _Disse Rafael. _Ela está andando com aquele Carlos Venturini.

_O da praça? Filho do Binho do trailer? _Perguntou João chocado.

_Aham, eu vi os dois juntos na praça outro dia. _Disse Rafael.

_Todo mundo tenta avisar a Patrícia, mas ela não escuta. _Disse João. _E agora eu estou preocupado com ela.

_O pior é que seus pais nem sabem de nada. _Disse Rafael. _Onde ela está?

_E eu sei? Ela não me disse. _Disse João aflito. _Só disse que era pra eu falar isso pro meus pais e só, não disse mais nada.

_Tu tá com medo de ter acontecido alguma coisa e sobrar pra você depois não é? _Disse Rafael.

_Exatamente. _Disse João.

_Pára de se preocupar com tudo João, deixa acontecer primeiro. _Disse Rafael. _Tu é sempre preocupado com tudo, o que pode acontecer o que não pode. Relaxa um pouco.

_É minha irmã guri, não dá pra relaxar. _Disse João.

_Tu é assim com todo mundo. _Disse Rafael. _E se sua irmã estiver saindo com algum carinha, o quê é que tem?

_Se for algum amigo do Carlos tem muita coisa. _Disse João.

_Calma, ela deve ter mentido pra ir ao shopping, só isso. _Disse Rafael. _Onde ela poderia ir?

_Ela não precisa mentir pra ir ao shopping. _Disse João. _E o Shopping não abre seis da manhã.

_É verdade. _Confirmou Rafael.

_E tu, o que vai fazer agora? _Perguntou João.

_Eu vou voltar pra casa pra terminar isso aqui pra amanhã. _Disse Rafael.

_Porque tu não fica por aqui? _Perguntou João.

_Pra quê? Eu não posso também, tenho que ir pra casa. _Disse Rafael nervoso. _Vai ter almoço em família lá em casa hoje.

_Isso quer dizer a turma toda? _Perguntou João.

_Isso a turma toda. _Disse Rafael desanimado. _A Ana, o Sérgio e o Antônio. Todo mundo.

_Qual a ocasião? _Perguntou João sorrindo.

_Despedida do Sérgio. _Disse Rafael debochando. _Ele vai morar em Paris agora, vai estudar lá.

_Ih, eles vão te encher o saco. _Disse João.

_Eu sei, por isso eu estou tão feliz. _Ironizou Rafael forçando um sorriso.

João riu.

_Vão vir com aquele papo: Ele tem sua idade e já tem uma carreira, um futuro e tu fica ai igual um vagabundo. _Disse Rafael nervoso.

_Tu é um vagabundo, agora que resolver trabalhar aqui. _Disse João sorrindo.

_E tu também. _Disse Rafael.

_Mas eu já trabalhei antes. _Disse João.

_Mas o que meus pais e a família toda querem é que eu faça faculdade, melhor ainda seria se fosse direito. _Disse Rafael.

_Faça. _Disse João.

_Eu não fiz quando acabei o colégio, agora que me arrumei aqui fazendo o que eu gosto, eu não vou fazer porra nenhuma. _Disse Rafael sério.

_Relaxa, não é assim que tu diz. _Disse João rindo.

_Pára de fazer piada. _Pediu Rafael levantando da cadeira.

_Pronto? _Perguntou João rindo.

_Vamos embora guri. _Disse Rafael. _Pára de rir.

João já estava no seu quarto e a noite já ia colorindo o céu num tom escuro. Patrícia ainda não havia voltado da casa de seja lá quem for, João não podia simplesmente ir bater na porta de Louísa porque não estava conversando com ela, iria se sentir desconfortável caso ela atendesse a porta e também não queria ter que ir até lá e descobrir que Patrícia não estava lá ou pior, que Patrícia não estava lá e nem Louísa. Roberto e Marina chegavam mais ou menos àquela hora do serviço e isso deixava João ainda mais preocupado. João na tentativa de se distrair desceu até a sala para olhar da janela de baixo para ver se avistava a irmã por ali, mas infelizmente ela não estava. Tentando se distrair para não explodir de nervoso ele sentou no sofá e puxou um livro da mesinha de centro, ele estava tão preocupado que nem percebeu que o livro estava de cabeça pra baixo enquanto ele o folheava. Minutos depois Patrícia ingressou pela porta o cômodo claro da casa seguida por Louísa.

_Onde tu estava? _Perguntou João nervoso.

_Louísa pode ficar esperando aqui eu já desço. _Disse Patrícia que fingiu não ouvir a pergunta do irmão e seguiu escada acima, direto para seu quarto.

_Patrícia volta aqui, eu ti fiz uma pergunta. _Ordenou João nervoso.

_Teu livro está de cabeça pra baixo. _Disse Louísa que estava particularmente bonita aquela noite com um vestido fino cor pérola.

_Cala a boca guria! _Gritou João enquanto jogou o livro de lado.

João correu até a escada e ao passar por Louísa pode sentir o perfume inconfundível que ele conhecia muito bem. Desejou intimamente parar e cheira-la melhor, mas seguiu em frente atrás da irmã. Já no andar de cima ele mal bateu a porta quando invadiu o quarto da irmã, que estava ajoelhada em frente ao seu guarda-roupa.

_Saí daqui João. _Disse Patrícia. _Eu não deixei tu entrar no meu quarto.

_Cala a boca. _Disse João sério. _Eu te fiz uma pergunta lá embaixo: Onde tu estava o dia todo?

_Na casa da Louísa. _Disse Patrícia calma.

_Mentira. _Disse João.

_Como tu sabe, foi até lá pra ver? _Perguntou Patrícia.

_Não, porqu... _Começou João.

_Porque tu e seus amiguinhos de escola não conversam com ela até hoje por causa de uma brincadeira que aconteceu há mil anos atrás. _Disse Patrícia.

_Isso porque a brincadeira não foi pra ti. _Disse João.

_Então não me torra, só porque eu ainda sou amiga dela. _Disse Patrícia.

_Ela só virou tua amiga pra ela ter alguém pra conversar aqui na rua. _Disse João.

_É, eu sou fácil de comprar. _Disse Patrícia mexendo ainda nas roupas da gaveta. _Também não tinha amigos nesta rua.

_Claro que tinha, a rua toda era sua amiga. _Disse João. _Eu era seu amigo, o Rafa a Piedra também.

_Tu não pode ser meu amigo você é meu irmão, e eles nem gostam mais de mim. _Disse Patrícia.

_Porque Tu tá andando com essa guria esperta aí de baixo. _Disse João.

_Se isso é problema pra vocês é pra mim também. _Disse Patrícia mexendo nas gavetas uma a uma. _Eu só escolhi o meu lado, sai fora agora João.

_Eu vou contar para nossos pais. _Ameaçou João. _Eu não vou ficar tomando conta de ti.

_Eu não pedi pra tu tomar conta de mim. _Disse Patrícia o encarando pela primeira vez desde que ele entrou no quarto. _E se você falar pra eles alguma coisa, vai sair perdendo, você é meu cúmplice.

_Mas você ainda me deve um favor. _Disse João.

_Deve e pago quando puder. _Disse Patrícia se levantando que deixou um pacotinho escapar para o chão quando ela retirou a mão de uma das gavetas.

_O quê é isso Pati? _Perguntou João.

_Não é nada, coisa de mulher. _Respondeu Louísa atrás de João.

_Quê susta guria! Quem te deixou subir? _Disse João assustado.

_Pode ficar Louísa, você é minha convidada. _Disse patrícia aproveitando para voltar com o saquinho pra dentro da gaveta.

_Dá licença. _Pediu Louísa ao passar por João roçando em seu corpo de propósito.

_SAI João! _Gritou Patrícia.

João hesitou uns segundos, mas deixou o quarto rapidamente, ficou desconfiado do conteúdo daquele pacotinho, mas nem cogitou a idéia do que realmente era. Passados alguns minutos João estava deitado na sua cama afogado em pensamentos entre o misterioso pacotinho e uma solução para a Arte & Arte que precisava de mais clientes. Sorrateiramente Louísa entrou pelo quarto e permaneceu ali olhando para João que nem notou sua presença.

_Esse é seu problema. _Disse Louísa sorridente.

João se assustou novamente com a menina.

_O que tu ta fazendo aqui no meu quarto? Sai fora guria. _Disse João sentando na cama.

_Você pensa demais. _Continuou Louísa.

_Cadê a Patrícia? _Perguntou João.

_Entrou pro banho. _Disse Louísa.

_Eu estava pensando em outras coisas, mas isso não é da tua conta. _Disse João serio.

_Ui! _Disse Louísa sorrindo. _Até quando vocês vão ficar com raiva.

_A gente não tem raiva. _Disse João. _Você tem que sentir raiva de alguma coisa que exista, você morreu pra todo mundo.

Ouve um breve silêncio.

_Nossa João, não precisa ser tão grosso. _Disse Louísa envergonhada. _Você não é assim.

_Louísa, você não é vítima. _Disse João. _Pára de querer fazer as coisas voltarem ao normal, tu mudou demais, não é a mesma pessoa.

_Sou sim João. _Disse Louísa se aproximando da cama. _Sou a mesma.

_Tu não vai voltar a andar com a gente. _Disse João. _Então pára de insistir.

_Eu quero consertar as coisas. _Disse Louísa.

_Não tem nada pra consertar guria. _Disse João. _Estava tudo lá e você vez a coisa toda fiar piorar para você. Pra quê? Por que você fez aquilo?

_Eu precisava me defender. _Disse Louísa.

_E a gente também. _Disse João. _A gente se afastou para se proteger de você. Mas você foi cruel, não precisava seguir em frente.

_Eu não aceitava. _Disse Louísa.

_E ainda não aceita. _Disse João. _O tempo todo querendo misericórdia, acabou. Tu destruiu a amizade por todos, só minha irmã que ainda se importa com você aqui.

_Ela é amiga. _Disse Louísa. _Isso é amizade, acima de tudo. Compreender, aceitar.

_Você não respeitou isso. _Disse João.

_Mas ela respeitou, e eu me importo com ela mais do que tudo nessa vida. _Disse Louísa.

_Eu já tentei alertar, um dia ela ainda vai se decepcionar, como todo mundo. _Disse João. _E eu vou ter o prazer de dizer pra ela que eu avisei.

_Eu sofri pelo que eu fiz, confesso que teria a mesma atitude suas com quem quer que fosse. _Disse Louísa. _Eu sei que fiz errado. Mas eu estou pedindo desculpas, é o máximo que eu posso fazer. Só poderia mais se eu voltasse no tempo pra desfazer tudo.

_Eu queria também. _Disse João.

_Meu pai me deu essa pulseira. _Disse Louísa segurando uma pulseira no pulso, era feita de ouro e tinha uma pequena estrela de diamante.

_Eu lembro dela. _Disse João.

_Quando ele me deu, eu tinha cinco anos. _Disse Louísa se aproximando para mostrar a pulseira.

João sentia cada vez mais forte o cheiro delicioso do perfume da garota, aquilo lhe dava boas recordações do seu namoro com ela.

_Ele me disse que essa estrelinha, era uma estrela cadente que ele achou caída uma vez. Daí ele levou ela até uma joalheria mandou fazerem a pulseira com ela para dar especialmente pra mim. Assim toda vez que eu quisesse alguma coisa era só eu pedir pra estrela que acontecia. Sua própria estrela cadente, ele disse. _Disse Louísa.

Louísa se aproximou cada vez mais do garoto que ainda estava sentado na cama, João podia jurar que aquele cheiro já estava tão perto que provavelmente iria grudar em sua roupa.

_Só ela, só essa estrelinha sabe o quanto eu desejei, o quanto eu pedi para que tudo voltasse atrás e eu pudesse consertar tudo. _Disse Louísa que deixou escorrer uma lágrima no canto dos olhos, quando fechou o olho emocionada.

Como um imã o corpo de Louísa parecia se atrair para o corpo de João, cada vez mais. Ele decidiu então abraçar a garota, perdoa-la, o pior já havia passado e aquele perfume era tão bom, ela estava tão bonita, tão atraente.

_João? _Disse Piedra derramando lágrimas na porta do quarto.

Louísa se afastou rapidamente para encarar a ex-amiga na porta.

_Piedra não é o que tu ta pensando. _Disse João constrangido coma a situação.

_Nunca é João, nunca. _Disse Piedra antes de desaparecer de vista saindo pelo corredor correndo.

_Não fica ai parado, vai atrás dela. _Disse Louísa sorrindo.

_Está bem. _Disse João com desespero nos olhos antes de perseguir Piedra escada abaixo.

_Acho que estraguei as coisas de novo. _Disse Louísa. _Ainda bem que você me entendeu estrelinha, era exatamente o que eu queria.

Louísa saiu do quarto sorrindo e foi encontrar com Patrícia no outro quarto.

Horas depois João abriu os olhos e sentiu a grama gelada em baixo do seu corpo, com o rosto ardendo como fogo ele teve dificuldade para se erguer, pois ainda estava um pouco tonto. Sem força para se colocar de pé ele apenas se apoio nos cotovelos e apertou os olhos quando girou a cabeça para ver aonde estava. Do outro lado da rua percebeu Piedra e Rafael conversando com uma mulher e um menino. E que mulher. Ele estava morto? Pois já estava vendo anjos. Aquele sorriso, o mais belo, branco e perfeito sorriso. Isso não era real, era celestial. Só poderia ser. Sorrindo ele ainda meio atordoado voltou a encostar a cabeça na grama e ficou admirando o céu, e se sentiu feliz. Contente em ver tão grande beleza diante dos seus olhos. Um anjo chamado Anne Marrie.

Mais isso ele ainda não sabe, mas logo vai saber.

domingo, 24 de agosto de 2008

Capítulo 17: E o primeiro dia de uma nova vida para Anne Marrie

_Querida cheguei! _Disse Luís quando entrou em casa.
_Oi Luís da Silva Sauro. _Disse Alice o recebendo com um beijo.
_Onde estão as crianças? _Perguntou Luís.
_A Marceline está lá em cima. _Disse Alice.
Luís parou por um momento e depois voltou a colocar sua coisa em cima da mesinha ao lado da porta.
_É que às vezes eu esqueço. _Disse Luís.
_É? Eu não. _Disse Alice.
_O jantar já está pronto senhora. _Disse Luzia do corredor ao lado da escada.
_Já estamos indo Luzia, obrigada. _Disse Alice.
Alice foi até o pé da escada:
_Marceline a janta está na mesa meu amor.
_Mãe pára de gritar a minha cam está ligada. _Disse Marceline do andar de cima.
_Cam? _Repetiu Alice sem entender.
_Webcam querida. _Disse Luís ao se sentar no sofá.
_Webcam? Meu Deus o que aconteceu com as Barbies? _Disse Alice se dirigindo até a cozinha.
_Alice, venha cá um instante. _Pediu Luís.
_Sim. _Disse Alice antes de se juntar ao marido no sofá.
_A gente precisa conversar. _Disse Luís.
_Na mesa de jantar amor, vamos se não vai esfriar. _Disse Alice ao se levantar.
_Espera. _Disse Luís segurando o braço dela. _É sobre Olivier.
_O quê é? _Disse Alice.
_Estou pensando em ir buscar ele de volta. _Disse Luís.
_Vamos pro escritório, a Marceline não pode escutar essa conversa. _Disse Alice séria.
Os dois seguiram calados até o escritório.
_Isso está fora de cogitação. _Disse Alice.
_Por quê? _Perguntou Luís.
_Porque ele decidiu ir. _Disse Alice.
_Ele só tem 15 anos. _Disse Luís.
_Eu sei, mas a gente concordou em deixá-lo ir. Não seria justo com ele agora. _Disse Alice.
_Não tem nada de errado Alice, nós somos os pais dele e temos direito de errar. _Disse Luís.
_Não está certo. _Disse Alice.
_Ele é novo demais pra viver sozinho. _Disse Luís.
_Ele não está sozinho. _Disse Alice.
_Sua irmã é louca. _Disse Luís.
Alice o lançou um olhar de reprovação.
_Desculpa, não quis dizer isso. _Disse Luis. _Só quero dizer, ela não consegue nem tomar conta dela mesma.
_Você acha que eu não estou preocupada? Você acha que eu consigo encostar a cabeça no travesseiro e dormir em paz? _Disse Alice chorosa.
_Não e nem eu. _Disse Luís.
_Eu passei a vida toda cuidando da Anne, o mais longe que ela ficou de mim foi na prisão e eu só conseguia dormir tranqüila porque sabia que lá não tinha homens. _Disse Alice ainda mais emocionada. _O Olivier nunca viajou sem a gente.
_E agora vai morar no sul. _Disse Luís. _Com a tia assassina.
_Já pedi pra não dizer isso. _Pediu Alice rígida.
_Tudo bem, desculpe. _Disse Luís.
_Você acha que ele vai concordar em voltar? _Perguntou Alice.
_Ele não tem que querer, não tem idade pra decidir nada na vida dele. _Disse Luís. _É por isso que nós somos os pais e ele o filho.
_Eu sei, você diz isso sempre. _Disse Alice. _Mas agora é diferente.
_Diferente por quê? _Perguntou Luís.
_Porque ele não está pedindo permissão pra ir ao cinema, tudo se trata dele, de quem ele é. _Disse Alice.
_Não venha com seu discurso liberal. _Disse Luís. _É o nosso filho tá bom? Nosso filho.
_Por isso a gente tem que entender mais do que ninguém. _Disse Alice. _Acontece nas melhores famílias, e só as melhores conseguem lhe dar com o assunto.
_Que assunto? O fato de ele ser gay? _Perguntou Luís.
_Fala baixo. _Pediu Alice depois de olhar para porta.
_Ele nem tem certeza do que vai vestir. _Disse Luís.
_Nós não estamos falando de uma escolha Luís. _Disse Alice.
_Ah tá você quer me dizer que ele nasceu assim? _Disse Luís. _Quando o médico bateu na bunda dele ele disse: Bate mais gostosão!
_Pare de tirar sarro. _Disse Alice irritada.
_Não estou tirando sarro. _Disse Luís.
_Eu só acho que não tem haver com uma escolha. _Disse Alice. _Você acha que ele desejou ter aquela conversa conosco, ou sofrer preconceito pelo resto da sua vida?
_Ele pode estar se enganando Alice. _Disse Luís.
_Se enganando? _Perguntou Alice. _A gente se engana quando confundi alguém na rua com outra pessoa, não quando estamos falando de nós mesmos.
_Na idade dele é comum se atrair por qualquer coisa, inclusive por um... por um... por um homem. _Disse Luís.
_Você se atraia por homens Luís, com quinze anos? _Perguntou Alice.
_Não, uma vez eu estava n... _Disse Luís. _Mas isso não vem ao caso.
_Não vem porque desde quando você se lembra como homem gostava de mulheres, não é mesmo? _Disse Alice. _Então. Isso deve acontecer com ele também só que ao contrário.
_Mas ele nem parece gay. _Disse Luís.
_Por favor, Luís você sempre soube como eu. _Disse Alice.
_Não. Não soube. _Disse Luís.
_Ele ama o nascer do sol, escuta o ABBA e sua bebida preferida é vitamina de pêra. _Disse Alice.
_Isso não quer dizer que ele seja gay, ele só é sensível. _Disse Luís.
_Porque você está fazendo isso? _Perguntou Alice com a mão na testa.
_Isso o quê? _Perguntou Luís.
_Negando. _Disse Alice.
_Eu não estou negando. _Disse Luís.
_Você está tentando não acreditar nos fatos. _Disse Alice. _O quer dizer negar.
_Ele só está confuso, ele não é gay. _Disse Luís.
_Ele disse que é na sala aqui ao lado, semana passada, você estava lá, você ouviu. _Disse Alice.
_Eu já disse, ele estava confuso. _Disse Luís. _Deve ter acontecido algo na escola pra ele não querer mais voltar lá.
_Foi isso que ele tentou nos dizer pra nós deixarmos ele ir. _Disse Alice.
_Então você também ouviu, isso pode ser verdade. _Disse Luís. _Quando ele falou que era gay, foi no susto, ele estava tentando arrumar uma desculpa boa o bastante pra nos convencer.
_E conseguiu. _Disse Alice.
_Quando eu falei com ele sozinho eu vi nos olhos dele que eram outros motivos, ele mentiu pra nós sobre o motivo de ir embora. _Disse Luís.
_Não. Ele contou a verdade, deve ser duro pra ele enfrentar os colegas no colégio. _Disse Alice.
_Ninguém sabe que ele é. _Afirmou Luís.
_É escola Luís, você já esteve em uma. _Disse Alice. _Eles julgam a pessoa e pronto. Não se importam com mais nada.
_Eu quero dizer, ele não parece ser gay, não está evidente. _Disse Luís. _Júlia, aquela garota que andava com ele, ele namorou com ela não é mesmo? Então.
_Alguns deles constituem família. _Disse Alice.
_Olivier também pode. _Disse Luís. _Ele ainda tem essa opção.
_Não é opção Luís, pára de repetir isso como se não tivesse entendido _Disse Alice. _Você está querendo que ele se esconda pra sempre. Isso pode acabar em suicídio, ou transformando ele em um tarado ou coisa do tipo.
_Não diga isso. _Disse Luís fechando os olhos.
_Você não entendeu ainda não é. _Disse Alice.
_Entendi que se ele continuar vivendo lá no sul sem limites assim, sim ele vai virar gay. _Disse Luís.
_Ele já é um. _Disse Alice emocionada.
_Nada que não possa ser concertado. _Disse Luís esperançoso. _Ele pode vir aqui pra casa, eu posso ajudá-lo com isso. Conhecer algumas garotas novas, entrar sei lá em um time de futebol, eu posso até dar um carro pra ele.
_E mesmo assim você nunca vai deixar de saber que seu filho é uma bicha. _Disse Alice.
_Alice. _Disse Luís.
Ouve uma pausa dramática.
_Isso não vai comprá-lo e nem deveria. _Disse Alice.
_Então o que eu devo fazer? _Perguntou um Luís triste.
_Nada. _Disse Alice. _Nem Você, nem eu, nem ninguém deve fazer nada pra mudar isso. Se você o ama...
_Claro que eu amo. _Disse Luís choroso.
_Eu sei que sim amor, eu sei que sim. _Disse Alice. _Então pra quê essa conversa? Olha pras coisas que você disse. Trazer ele pra cá não vai mudar as coisas, ele vai continuar sendo do jeito que ele é. O nosso bebê ainda vai continuar a ser nosso bebê.
_Eu só estou tentando lhe dar com a situação. _Disse Luís emocionado.
_Eu entendo. _Disse Alice. _Ninguém imagina que isso possa acontecer e quando menos se espera...
_Eles viram gays? _Perguntou Luís.
_Não. _Riu Alice. _Eles vão embora.
_Talvez a gente devesse visitar ele na semana que vem. _Disse Luís.
_Isso só iria piorar as coisa, dê um tempo pra ele. _Disse Alice. _Espera ele ligar e pedir isso.
_Ele não vai fazer isso. _Disse Luís.
_Eu sei, por isso já não me agüento de saudade. _Disse Alice começando a chorar.
_Eu também, mas eles devem ter acabado de chegar lá agora e a gente já está aqui sofrendo como se já tivesse passado um ano. _Disse Luís.
_É que eu não agüento. _Disse Alice. _Eu amo demais.
_É eu sei. _Disse Luís. _Isso é de família.

Enquanto isso em Rosa Velha:
_Como tu sabe que é ela? _Perguntou Rafael curioso. _Eu não sei quem é Anne Marrie.
_Claro que sabe. _Disse Piedra. _É aquela guria que matou o namorado lembra? Há 20 anos atrás. Ela acabou de sair da cadeia e não pára de procurar o filho dela.
Rafael ficou olhando para Piedra.
_O quê foi que tu tá me olhando? _Perguntou Piedra.
_Continua, eu ainda não sei quem é. _Disse Rafael.
_Ela é louca. Tentou matar o namorado duas vezes e da ultima vez não deixou ele escapar, tudo porque ela achou que ele tinha roubado o filho dela. _Começou Piedra. _O filho deles. Dizem que ela é apaixonada por ele até hoje.
_Mas não foi ela que o matou? _Perguntou Rafael.
_Foi. _Disse Piedra.
_Então porque ela fez isso, ela não o amava? _Disse Rafael.
_È por isso que dizem que ela é doida. _Disse Piedra.
Anne Marrie estava ajudando Olivier com as malas enquanto Juliana abria a porta da nova casa da amiga.
_Vamos até lá ajudar. _Pediu Piedra.
_O quê? Não. _Disse Rafael rapidamente.
_Porque não? _Disse Piedra.
_A guria é uma assassina, e se ela não gostar de nós? _Disse Rafael.
_Ela vai gostar da gente, pelo menos de mim né. _Disse Piedra. _E ela não é mais guria, já deve ter quarenta anos.
_O quê? _Se chocou Rafael. _Tu tá brincando não é?
_Não. _Sorriu Piedra.
_Ela parece ser mais nova que a gente. _Disse Rafael diante da beleza de Anne Marrie.
_Que tu não. _Disse Piedra mangando de Rafael.. _Tu parece que tem 12.
_E eu dou 20 pra ti. _Disse Rafael rindo.
_Cala a boca! _Pediu Piedra. _Levanta daí e vamos até lá ajudar.
_Nem-pen-sar. _Disse Rafael pausadamente.
_Deixa de ser medroso. _Disse Piedra. _É só a gente fazer amizade que assim ela não vai querer nos matar.
_Quem te disse? _Disse Rafael. _Pelo o que você falou ela matou o cara por amor.
_Então espero que ela me odeie. _Disse Piedra.
_Nem precisa fazer força pra isso. _Disse Rafael.
_Cala a boca, levanta daí e vamos até lá. _Disse Piedra.
_E a turma aqui? _Perguntou Rafael.
_Eles não vão pra muito longe mesmo. _Disse Piedra ao se levantar.
Os dois seguiram até o carro de Anne calmamente e a cada movimento brusco lhes garanto que os dois sairiam correndo.
_Pára de me empurrar. _Ordenou Piedra.
_Se você parar de tremer. _Riu Rafael.
_Duas coisas: Eu não estou tremendo. E porque eu estou na frente? _Disse Piedra receosa.
_Porque você que teve a idéia então você que morra primeiro. _Disse Rafael. _Como ela fez? Eu digo, como ela o matou? Revólver, faca?
_A canetada. _Disse Piedra.
_Vamos embora. _Disse Rafael agarrando o braço de Piedra.
_Não, agora já estamos perto demais, ela percebeu que a gente estava chegando. _Disse Piedra quando Anne os avistou e abriu um lindo e encantador sorriso.
_Oi. _Cumprimentou Anne quando eles se aproximaram.
_Oi. _Disse Piedra nervosa segurando um forçado sorriso no rosto.
_Olá. _Devolveu Rafael aquela linda menina que de perto era mais bonita que de longe.
_Vocês moram por aqui? _Perguntou Anne.
Anne estava praticando alguns exercícios para se dar melhor com as pessoas. Nunca foi muito sociável e desejava agora manter as aparências de uma pessoa normal, já que pretendia mudar seu estilo de vida. Uma nova vizinhança, sem ninguém para vigiá-la e estamos falando de Alice, praticamente com uma criança para tomar conta que era Olivier e em busca do seu real amor, seu filho perdido, Gérard.
Os dois ficaram extasiados diante da beleza de Anne. Como Deus em sua infinita sabedoria poderia ter cometido um erro tão grande com o resto da humanidade ao criar uma única peça de real beleza chamada Anne Marrie.
Rafael não conseguia dizer uma palavra e a história de assassina já tinha sido apagada de sua memória.
Anne sorriu diante do silencio de ambos então Piedra disparou a falar:
_Quem, nós? Ah sim, é... Eu moro... aqui perto... aqui... é...
_Ela mora naquela casa ali oh. _Apontou Rafael com o dedo a casa ao lado da sua. _E eu naquela ali do lado.
_Bem na frente da minha? Então agora nós somos vizinhos. _Disse Anne Marrie num sorriso estonteante. _Sou Anne Marrie.
Anne ofereceu a mão e Rafael aceitou de imediato empurrando Piedra para o lado.
_O meu é Rafael, Rafael Lacerda. _Disse o menino.
_Cortez. O segundo nome dele é Cortez, não Lacerda. _Sorriu Piedra, feliz em envergonhar Rafael na frente da nova vizinha.
_Mas eu uso Lacerda, Pedrita. _Disse Rafael também feliz por tirar sarro do nome da amiga sem culpa.
Piedra o encarou feio.
_Desculpa tá, é que o guri aqui já passou da hora de dormir. _Disse Piedra feliz novamente. _O meu nome é Piedra Schreisen.
_Encantador. _Disse Anne num tom educado o que a deixava mais perfeita.
_E o segundo nome dela também não é Schreisen, é Amarante. _Disse Rafael sorrindo.
Anne acompanhou o garoto.
_É que minha mãe é da Argentina e lá... _Disse Piedra nervosa. _Deixa pra lá.
_Tudo bem, tudo bem. _Disse Anne sorrindo.
_Alguém aqui falou Argentina? _Disse Olivier se aproximando dos três.
Ele também estava praticando um pouco alguns modos sociáveis.
_Eu falei. _Disse Piedra. _Minha mãe é de lá.
_Que legal. Eu adoro a Argentina. _Disse Olivier sorridente.
_Ela não. _Disse Rafael sorrindo.
_Dá pra calar a boca? _Pediu Piedra.
_Esse aqui é meu sobrinho Olivier. _Disse Anne apresentando o menino.
_Rafael. _Disse o garoto ao apertar a mão de Olivier.
_Piedra. _Disse a garota ao apertar a mão de Olivier.
_Prazer. _Disse Olivier.
_Eles moram aqui na frente Oli, são nossos novos vizinhos. _Disse Anne animada.
_Legal. _Disse Olivier entusiasmado com os possíveis novos amigos.
_Vocês são de onde? _Perguntou Rafael.
_São Paulo. _Respondeu Piedra.
_É, São Paulo. _Disse Anne sorridente.
_Ai desculpa. _Pediu Piedra envergonhada.
_Como você sabia de onde a gente vinha? _Perguntou Olivier.
_O sotaque. _Disse Rafael para salvar a pele da amiga. _Vocês tem o sotaque muito forte.
Todos sorriram, Piedra e Rafael de nervoso, mas isso não deu pra notar.
_Aquela ali é minha melhor amiga, Juliana. _Disse Anne apontando para a amiga que tentava abrir a porta.
Juliana acenou para os garotos.
_Ela mora aqui tem um tempo, me ajudou com a mudança e a compra da casa. _Disse Anne.
_É eu já vi ela por aqui. _Disse Piedra retribuindo o tchauzinho.
_Eu sei ela está tentando comprar essa casa pra mim tem uma semana. _Disse Anne contente. _Ainda bem que ela conseguiu.
_Ainda bem. _Sorriu Rafael.
Os quatro ficaram se encarando e sorrindo até:
_Vocês precisam de ajuda? _Perguntou Rafael.
_Não, obrigada. _Disse Anne.
_É, são só algumas malas, o resto chega amanhã. _Disse Olivier segurando uma mala nas mãos.
_Então a gente se vê amanhã? _Disse Piedra.
_Se vocês precisarem de ajuda a gente pode ficar. _Disse Rafael desejando continuar a encarar a beleza de perto.
_Não! _Beliscou Piedra. _Nós temos que ir agora, nossos amigos estão ali nos esperando.
Anne e Olivier apertaram os olhos para olhar para o outro lado da rua onde três corpos estavam ainda estirados no chão.
_Eles estão bem? _Perguntou Anne.
_Sim, sim, estão ótimos. _Disse Piedra sorridente. _Só precisam dormir.
_Eles moram por aqui também? _Perguntou Olivier.
_Aham, são seus vizinhos também. _Disse Rafael. _Moramos todos na mesma rua.
_Demais. _Disse Olivier.
_Não, na verdade somos bem pouquinhos, agora que vo... _Começou Piedra.
_Ele quis dizer que gostou, achou legal. _Sorriu Anne.
Todos riram exceto Piedra.
_Eu sabia, eu entendi. _Disse Piedra. _Só estava tentando explicar.
_Aham. _Disse Rafael sorridente.
_Agora a gente tem que ir mesmo. _Disse Piedra.
_Tudo bem. _Disseram Anne e Olivier.
Piedra puxou Rafael pela camisa para que eles atravessassem a rua.
_Vem Rafa! _Pediu Piedra enquanto Rafael se recusava a sair dali.
_Está bem já estou indo. _Disse Rafael nervoso. _E sejam bem vindos ao Moinho.
E então abriu um sorriso.
_Vamos Rafa, agora. _Disse Piedra. _Antes que a Pati comece a vomitar.
_Já estou indo. _Repetiu Rafael quando finalmente deu as costas a Anne e Olivier para se juntar a Piedra. _Deixa de ser chata guria, você que queria ir lá agora fica me perturbando. Eles são legais.
Anne e Olivier podiam ouvir os comentários.

Anne acordou no dia seguinte e se lembrou da ultima vez em que teve planos, sonhos. Coisas boas que ela planejou que acontecessem. A vida dela sempre foi cheia de impulsos, guiada pela sua bússola chamada amor que a levou a cometer coisas nunca pensadas por ela. Há mais de 20 anos atrás Marrie estava sentada na calçada em frente ao apartamento de Humberto, que ainda estava infelizmente vivo, e ela planejava ter uma família, um bom marido que a amasse, um filho que uniria mais ainda os dois e uma casa onde ela poderia ser feliz para sempre. Uma hora depois e todos esses planos haviam desaparecido. Depois disso tudo, ela tinha pelo menos uma parte deles, uma casa. Uma casa realmente dela, sem regras, sem horário pra sair e entrar, era dela, um desejo precoce para uma garota que sonhou sempre com a sua liberdade e pela primeira vez a conseguiu. Ela morou com Juliana no castelinho é verdade, mas nada lá era dela. Sua cozinha, sua sala, seu banheiro, seu corredor, sua porta, sua janela, seu lustre, seu sofá, seu abajur, suas panelas, seus talheres, seus tapetes, sua máquina de lavar. Era tudo dela, não só um quarto na casa, mas a casa toda, das paredes até o saleiro da cozinha. Tudo. O sol parecia bater na janela para entrar no quarto, tudo estava meio desorganizado, havia caixas por toda a casa e o cheiro da madeira nova inundava o quarto vindo dos móveis que ainda esperavam para serem montados. Um colchão jogado no meio do quarto sem muito conforto foi onde Anne e Olivier passaram a primeira noite. A primeira noite no moinho. Anne podia sonhar de novo, planejava encontrar o filho e cria-lo junto ao seu querido sobrinho. Mal recordava que o filho dela provavelmente já estava criado, por alguém que ele chamava de mãe ou pai, o que ele tinha como família sem saber ou não que era adotado. Anne imaginava e queria acreditar que o filho dela a sentisse como ela sentia. Esta francesinha nunca foi de ter sexto sentido, em nenhum sentido. Desculpem o trocadilho. Quis dizer de forma alguma, nem como no filme, nem como o Homem-Aranha, nem como uma mulher. Mas ela sentia pela primeira vez o filho perto dela, uma palpitação no peito, um frio na espinha, uma adrenalina inexplicável, um arrepio na nuca que segundo ela eram presságios de um futuro feliz, ela estava perto de encontrar seu filho e eu posso afirmar que sim.
Olivier levantou mais cedo que a tia e se animou em preparar todo o desjejum. Anne sentiu o cheiro de café forte quando abriu a janela ao se levantar. Os cabelos jogados pra trás pareciam um véu quando dançavam com o vento à medida que ele entrava pela sala. O sul não foi exatamente uma escolha para Anne Marrie recomeçar sua vida, mas coincidentemente era um lugar adorado por ela, o mais próximo que ela poderia chegar da Europa, de suas raízes. Mas o que ela esperava ter como vista não era o que ela viu naquela manhã. Roger descia do carro e se dirigia até a casa de Anne. Ela o observou incrédula, imaginando que a única explicação seria que Humberto virou seu fantasma particular ou como poderia alguém estar em exatos momentos cruciais na vida de uma pessoasem que ele fizesse parte dela. Sabem aquela frase em que dizem que a pessoa estava com a faca e o queijo na mão? Pois então, foi Roger que deu a faca para Anne cortar o queijo da vez que era Humberto, o que a fez entrar para a cadeia por exatos 20 anos. Livre finalmente quem ela voltou a encontrar? Roger estava do lado de fora da Penitenciária Feminina Maria da Glória aquele dia, admirando a liberdade da menina que praticamente ele prendeu. Exagerei, mas vocês entenderam. Três momentos digamos que marcantes na vida de Anne, por fim o terceiro. Um momento de liberdade e esperança total, sujeito a mudanças.
Olivier ouviu a campainha da cozinha e correu para atender, quando se surpreendeu com a tia já de pé.
_Pode deixar que eu atendo. _Disse Anne que nem precisava perguntar quem era do outro lado.
A porta se abriu e lá estava ele, um velho Roger não muito diferente de 20 anos atrás exceto pelo cabelo grisalho.
_Posso entrar? _Perguntou Roger.
_É claro que não. _Respondeu Anne. _O que você quer aqui?
_Eu sei que você não vai me ouvir, eu sei que você me odeia como odeia a minha família. Então eu vou ser bem direto. _Disse Roger.
_Eu não odeio sua família. _Disse Anne.
_Tanto faz. _Disse Roger. _Eu estou aqui para te ajudar.
_A ultima vez que eu recebi uma ajuda sua eu fui parar na prisão. _Disse Anne que ainda estava de pijama.
_Você matou meu irmãozinho porque você quis e porque ele merecia. _Disse Roger no seu habitual tom rude. _Vamos esquecer o passado, e falar do futuro.
_Fala logo. _Disse Anne curiosa sobre a ajuda ofertada.
_Vamos lá. _Disse Roger. _Acredite ou não, eu sei onde seu filho está.

Como eu disse, pensei que o dia para encontrar Gérard estava perto, mas não imaginei que tudo fosse acontecer tão rápido. E o primeiro dia de uma nova vida para Anne Marrie começou.

domingo, 17 de agosto de 2008

Capítulo 16: _É aquela tal de Anne Marrie.

Piedra corria pelo jardim dos Pinho Medeiros.
_Espera Piedra! _Pedia João que vinha logo atrás da namorada.
_João eu não quero conversar com você agora. _Disse Piedra ainda correndo. _Eu não quero brigar com você.
_Você já está brigando. _Disse João, colocando a mão sobre o ombro de Piedra. _Calma.
_A Louísa de novo? _Perguntou Piedra ao retirar a mão de João do ombro e parar de frente pra ele. _A gente já falou sobre ela antes, não tem mais nada pra ser dito.
_Ela só estava esperando minha irmã. _Disse João.
_No seu quarto? _Disse Piedra.
_O que foi que você viu? A gente não estava fazendo nada. _Disse João.
_Eu sei que não, mas tu tava conversando com ela, depois de tudo que ela fez. _Disse Piedra. _Não ficou combinado da gente nunca mais falar com ela?
_E quantos anos a gente tem? 10? _Disse João. _Deixa de ser boba Piedra. Nem a minha irmã que é menor, não está com raiva dela mais.
_Isso é problema dela, ela não é minha namorada, você é. _Disse Piedra.
_Tu vai mesmo ficar com raiva por causa disso? _Disse João.
_Tu quer me deixar parecendo uma idiota não é? _Disse Piedra.
_Mas é isso que está parecendo. _Disse João.
Piedra virou as costas e voltou a andar rápido, agora já na calçada.
_Calma Piedra! _Pediu João parado no jardim.
_Tchau João. _Disse Piedra.
_Tu está nervosa Pi, espera vamos entrar. _Disse João.
_É isso que eu vou fazer, mas na minha casa. _Disse Piedra antes de bater a porta de sua casa, que ficava a alguns passos da de João.
Rafael se aproximava.
_O que aconteceu guri? _Perguntou Rafael.
_A Piedra entrou lá no meu quarto e viu a Louísa lá. _Disse João com a mão no rosto.
_O que a Louísa estava fazendo lá? _Perguntou Rafael, chegando mais perto.
_Esperando a Patrícia. _Disse João se sentando no meio fio.
_No seu quarto? _Perguntou Rafael se sentando ao lado do amigo.
_Ela estava esperando a Patrícia e entrou quan... Esperai. Qual o problema da guria estar no meu quarto? _Perguntou João.
_João, não ficou combinado que a gente não ia mais conversar com ela depoi... _Disse Rafael.
_Pelo amor de Deus, já passou. _Disse João. _A gente não tem mais 15 anos Rafael, o que passou, passou.
_Mas fora isso, você já foi namorado da guria. A Piedra tem toda razão de ficar com raiva. _Disse Rafael.
_Mas a gente não estava fazendo nada. _Disse João.
_O que vocês estavam fazendo na hora que a Piedra entrou? _Perguntou Rafael.
_Nada, ela estava me mostrando a pulseira que ela ganhou do pai dela. _Disse João.
_Isso quer dizer que ela estava perto de você? _Perguntou Rafael.
_Do meu lado, praticamente em cima de mim. _Disse João com certo desanimo na voz após visualizar a situação.
Rafael sorriu.
_E você quer que a guria não fique com raiva de ti? _Disse Rafael.
Os dois riram.
A porta do casarão atrás dos garotos se abriu e de lá saíram duas garotas. Patrícia e Louísa. As garotas se aproximaram dos garotos sentados.
_Oi Pati. _Disse Rafael.
_Oi Rafa. _Respondeu Patrícia.
Louísa ficou envergonhada por não ser cumprimentada por nenhum dos garotos e depois dos silenciosos segundos torturantes que se passaram Louísa se atreveu a falar:
_João, se quiser eu falo com a Piedra.
_Não, muito obrigado Louísa. _Disse João sem encarar a menina.
_Você é louca Louísa, depois do que você armou. Para de fingir que a boazinha. _Disse Rafael.
_Quando vocês vão tirar ela da cruz heim? _Disse Patrícia. _Vê se cresce Rafael. Vamos Louísa.
_Onde vocês vão? _Perguntou João quando as duas começaram a se afastar dos garotos.
_Na festa do André, mas nem precisa aparecer. Vocês não estão convidados. _Disse Patrícia.
Os dois se entreolharam e continuaram calados por um tempo até:
_Essa Louísa tinha que tomar vergonha, sua irmã só tem quinze anos, ela tinha que andar com gente da idade dela. _Disse Rafael.
_Ela andava rafa, com a gente. Lembra? _Disse João.
_Lembro. _Disse Rafael. _O que mais me intriga é que ela parecia ser uma pessoa legal.
_Ela é, uma pessoa legal. _Disse João.
_Pára João, ela acabou com a gente na escola. _Disse Rafael.
_É. Mas a gente já acabou de estudar. _Disse João.
_Mas eu ainda tenho memória. _Disse Rafael. _E não gosto nem de lembrar a vergonha que ela nos fez passar na frente de todos.
_A guria se sentiu no direito Rafa. _Disse João.
_Mas não estava João. _Disse Rafael.
_A gente começou. _Disse João. _Era o diário da guria. Era intimo.
_O que estava lá também era, pra nós. _Disse Rafael. _Vamos parar de falar da Louísa.
_Esta bem. _Disse João. _Agora eu preciso fazer a Piedra falar comigo de novo.
_Vai ser difícil. _Disse Rafael. _Ela é uma pedra mesmo, a Piedra.
Os dois riram.
_Deixa ela te ouvir falar assim. _Disse João.
Os dois voltaram a sorrir.
_Estou falando serio Rafa. _Disse João sorrindo. _Me ajuda ai vai!?
_Eu? _Perguntou Rafael. _Foi por esses chiliques e por outros que eu terminei com ela.
_Mas demorou pra fazer isso, me dá uma dica vai!? _Pediu João.
_Ela é mimada demais. _Disse Rafael. _Então pra fazer as pazes com ela é só bajular ela o bastante, finja que estava errado, e diga que ela estava certa e que isso nunca mais irá se repetir.
_Bá! To impressionado contigo. Tu devias criar um guia pro futuros namorados da Piedra.
Os dois sorriram.
_Você não quer nada sério com a Piedra não? _Perguntou Rafael ainda sorrindo.
_Ah, vamos dizer que eu não estou planejando um futuro ao lado dela, eu não... _Disse João. _Entende? Eu ainda não a...
_Ama. _Completou Rafael.
_É. Ainda não. _Disse João. _Mas eu gosto dela, entende?
_Entendo, entendo. _Disse Rafael. _Então vamos lá.
Rafael se levantou sacudindo a poeira.
_Hã? O quê? _Disse João. _Ir aonde?
_Venha. Vamos à casa da Pi. _Disse Rafael oferecendo a mão para João poder se levantar.
João aceitou a mão e se pos de pé.
_A casa dela? _Disse João. _Ela não vai atender a gente.
_Eu sei que não, já tentei muitas vezes quando a gente namorava. _Disse Rafael que começou a andar em direção a casa de Piedra. _A gente não, quis dizer eu e ela.
_Eu entendi. _Disse João seguindo o amigo.
Os dois seguiram rápido até a porta da casa de Piedra.
_Eu estou falando pra ti, ela não vai ti atender. _Disse Rafael.
_Eu vou tentar primeiro, isso que você quer fazer é loucura. _Disse João.
_Loucura João? Deixa de ser certinho. _Disse Rafael.
_Espere aqui. _Disse João.
Rafael ficou a frente da porta, parado no jardim de Piedra, enquanto João se aproximou para tocar a campainha.
Depois de alguns segundos a velha Berta, governanta da casa, atendeu ao chamado.
_Pois não? _Disse Berta.
_Olá Berta como vai a senhora? _Disse João sorridente, tentando ser simpático, mas sabia que isso não abalaria a muralha Berta.
_O senhor já estava sendo aguardado. _Disse Berta.
João se surpreendeu, sorriu e olhou para trás procurando o apoio moral de um Rafael distraído esperando a hora de agir.
_Muito obrigado Berta, onde ela está? _Perguntou um gentil João.
_Agora que chegou, devo lhe informar que sua entrada nessa casa está prontamente proibida. _Disse Berta sem expressão, como feição de um mordomo daqueles filmes de terror. _A senhorita Piedra não quer lhe ver nos próximos mil anos.
_Está bem. _Disse João desapontado.
_Lhe desejou a morte e ti xingou de nomes que eu, como uma boa cristã, não me atrevo a repeti-los. _Disse Berta.
_Uau. Tudo bem eu entendi, Berta. _Disse João baixando a cabeça envergonhado.
Ao levantar só deu tempo de ver a porta se fechando.
_É triste dizer isso, mas, eu avisei. _Disse Rafael sorrindo no jardim.
_Essa mulher não é desse mundo. _Disse João. _Sério, ela criou o tropeço.
Os dois riram.
_Anda logo, vamos fazer do meu jeito. _Disse Rafael empurrando João para o lado da mansão.
Os dois andaram pelo lado da casa até ficarem debaixo de uma janela que lançava na escuridão da noite um grande quadrado no jardim. A luz refletia direto do quarto de Piedra.
_Isso não vai dar certo Rafa. _Disse João.
_Vai sim. _Disse Rafael se preparando para escalar a parede. _Você imagina como ela deixou de ser virgem?
_Hã? _Perguntou João. _Você está dizendo...
_Isso mesmo, estou dizendo que minha primeira noite com a Pi foi desse jeito. _Disse Rafael.
_Você subiu? _Disse João. _Foi no quarto dela?
_Aham. _Disse Rafael.
_Você é louco. _Disse João.
_Os pais dela estavam no quarto ao lado. Mais eu pedi pra ela ficar quietinha. _Disse Rafael.
Os dois começaram a gargalhar.
_É por isso que ela parece uma estatua até hoje. _Disse João entre risadas.
_Fala sério, a guria é frígida até hoje. _Disse Rafael sorrindo.
_Teve um dia que ela gritou. _Disse João.
_É mesmo? _Perguntou Rafael.
_É. Ela viu uma barata. _Disse João antes de cair na gargalhada.
Os dois tamparam a boca a fim de abafar as risadas desenfreadas que se seguiram primeiras de uma crise de riso daquelas melhores. Onde não se pode rir, mas é impossível evitar.
Depois de recuperado o fôlego os dois voltaram para o plano.
_Pára de rir. _Disse Rafael sorrindo. _Vamos logo.
_Vai você primeiro. _Disse João. _Se ela me vir primeiro vai me empurrar.
_Covarde. _Disse Rafael dando os primeiros passos da escalada até a janela.
_Quando der pra subir você me chama. _Sussurrou João para Rafael quando devia gritar já que ele estava subindo rápido.
_Está bem, pare de falar agora se não a Berta vai ouvir. _Disse Rafael lá de cima.
_Deus me livre. _Disse João baixinho.
E ele ficou ali observando Rafael entrar pela janela estilo Romeu e Julieta, só que o Romeu da vez ficou em baixo para garantir as coisas, pois o que ele temia não era a família da donzela, mas a própria moça no alto da torre. Esperou, esperou até ver a cabecinha de Rafael apontar de novo na janela e fazer sinal para ele subir. Com dificuldade e medo de cair João subiu devagar e quando por fim chegou até a janela e olhou para dentro do quarto lá estavam os dois sentados na cama. Piedra estava emburrada como de costume e Rafael atrás dela fazendo sinal para o amigo.
_Eu só não fiz um escândalo porque o Rafa me pediu, porque se fosse por você eu ti empurrava agora. _Disse Piedra.
_Eu não disse Rafa. _Disse João ao colocar os pés no chão do quarto.
Rafael fez sinal para João pegar leve e alisou a mão como se quisesse dizer: “Amansa a gatinha, mima ela bastante.” João assentiu com os olhos e começou:
_Piedra me desculpa. _Pediu João com a carinha mais arrependida que lhe ocorreu.
_A gente já conversou sobre ela João, a Louísa não merece a nossa amizade. _Disse Piedra.
_Eu sei, eu entendo. _Disse João.
_Tu me entende? _Disse Piedra com os braços cruzados. _Então porque estava lá conversando com ela?
_Deixa eu explicar Pi, ela estava esperando a Pati ai viu a porta aberta e veio me perguntar uma coisa. _Disse João.
_Quê coisa? _Perguntou Piedra.
Rafael fez sinal negativo com a cabeça para João.
_Nada, ela perguntou se você ainda estava zangada com ela. _Disse João.
_E o que você disse? _Perguntou Piedra.
_Eu disse? Ah, eu disse que você ainda estava tri irritada com ela e eu também. _Disse João.
_E o Rafa? _Perguntou Piedra.
_O Rafa também. _Disse João. _Mas agora me perdoa?
_Não sei não, ela estava muito perto de você pra perguntar só isso. _Disse Piedra.
_Você acha que eu estou querendo esconder algo de você? _Perguntou João.
_Não. _Disse Piedra. _Só acho que você está dando corda demais pra essa guria aloprada.
_Piedra, eu te amo. _Disse João enquanto Rafael segurava pra não rir atrás de Piedra.
_Ama nada. _Disse Piedra.
_Amo sim. _Disse João.
_Ama nada. _Disse Piedra.
_Quem foi que eu larguei pra ficar com você? _Perguntou João.
_Ela. _Disse Piedra já esboçando um sorriso.
_Então, ela não é ninguém comparada a você. _Disse João. _Você é tudo pra mim.
_É raio, estrela e luar. _Cantarolou Rafael. _Manhã de sol, meu iaia meu ioio.
_Pára Rafa, meu pai vai te escutar. _Pediu Piedra sorridente.
Os três sorriam, mas só os dois meninos tinham motivos pra sorrir.

Está vendo? Não acreditem mulheres que os homens não te entendem, eles já te decoraram de cor.

Os três conversaram mais um pouco no quarto e em seguida desceram para os jardins de novo, onde voltaram a sentar no meio fio agora com Piedra.
_O que a gente vai fazer hoje? _Perguntou Piedra.
_A gente? A gente vai ficar namorando a noite toda. _Disse João.
Os dois se beijaram como se não tivessem companhia. Rafael encarou outro lado.
_Ai João, coitado do guri aqui, vai ficar sozinho. _Zombou Piedra.
_Não liguem pra mim, vocês nem são meus amigos mesmo. _Disse Rafael serio.
_Olha Pi ele ficou nervosinho. _Zombou João.
_E o quê é que foi com os dois hoje heim, eu estou só brincando. _Disse Rafael.
_Não gente, é serio. _Disse Piedra sorridente. _O que é que a gente vai fazer hoje? Agora?
_To com preguiça de dirigir até o centro. _Disse João.
_Eu não disse que precisava ir de carro, pode ser por aqui mesmo. _Disse Piedra.
_Nem tem ninguém aqui agora. _Disse Rafael. _O que a gente vai fazer aqui, só nós três?
_Eu sei o quê. _Disse João com cara de pervertido.
Piedra olhou para ele e depois para Rafael e percebeu a proposta indecente que estava recebendo.
_Credo João, não. Suruba não. Que nojo, ele é teu amigo. _Disse Piedra.
_Não tem nada aqui que os dois já não tenham visto. _Disse Rafael.
_Ah e tu anda fazendo o quê por ai com meu namorado heim guri? _Perguntou Piedra.
_Indo a banheiros. _Disse Rafael. _Banheiro de homem é tudo em pé, um do lado do outro.
_E vocês ficam se olhando? _Perguntou Piedra.
_Não é forçado, é uma questão de ego masculino. _Disse João.
_Ego? _Perguntou Piedra.
_É, pra ver qual ego é o maior. _Brincou Rafael sorrindo.
Os dois sorriram.
_O teu é o maior. _Disse Piedra a Rafael.
_É, eu sei. _Riu Rafael.
_Piedra? _Disse João serio.
_É verdade amor, é verdade. _Disse Piedra sorrindo. _Mas o seu é mais fofinho.
_Fofinho? _Se zangou João.
Os dois gargalharam.
_É, pelo menos eu não sou frígida. _Disse João a Piedra.
Piedra parou de rir num instante, enquanto Rafael deitou na grama de rir.
_Eu não sou frígida. _Disse Piedra séria. _Eu somente tenho dificuldades de me expressar durante o ato sexual.
_Minha filha, até a rainha Elizabeth faz mais barulho que você. _Disse João entre risadas.
Os dois não se agüentavam de rir enquanto Piedra continuava seria na calçada.
_Eu vou embora. _Disse Piedra ao se levantar.
_Não calma. _Disse Rafael se recuperando da crise de riso.
_É Piedra calma aí. _Disse João sorrindo ainda. _Eu não quero subir lá de novo.
_E quem disse que eu vou deixar tu entrar dessa vez? _Disse Piedra.
_Calma gente! Calma. _Disse Rafael. _Eu tive uma idéia.
_Se vier com papo de suruba de novo eu juro que... _Disse Piedra.
_Que suruba garota, senta aí. _Disse Rafael, puxando Piedra para sentar.
_Fala Rafa o que é? _Perguntou João. _Se for filme, eu comprei uma coleção de clássicos muito bons.
_Que filme guri. _Disse Rafael. _Vocês sabem por que isso aqui está tão vazio hoje não sabem?
_Eu não, mas reparei que não tem ninguém. _Disse Piedra se sentando novamente.
_Então. _Disse Rafael. _É a festa do André.
_Que festa do André? _Perguntou Piedra.
_O André, aquele lá do final do moinho, lá nos fundos. _Disse João apontando para frente.
_Ah sei, aquele que foi da sala de vocês. _Disse Piedra.
_É esse mesmo. _Disse Rafael. _Então gente.
_Então o quê? _Perguntou Piedra.
_Vamos pra lá agora. _Disse Rafael com um sorriso no rosto.
_Tu tá louco Rafa? _Disse João. _O cara me odeia. Você não viu minha irmã falar que nós estamos convidados?
_Ouvi. _Disse Rafael. _Mas é por isso mesmo que vai ser legal.
_Legal? _Disse Piedra. _O guri é o maior traficante de luxo da região, dizem que o bagulho dele é o melhor e o mais caro, só vende pra gente com dinheiro.
_Mas a gente não quer comprar nada, a gente só quer ir pegar sua irmã na festa. _Disse Rafael.
_Quer? _Perguntou João.
_Sua irmã está na festa? _Perguntou Piedra.
_Hã? _Disse João.
_Você deixou sua irmã ir sozinha pra festa desse tal de André? _Perguntou Piedra.
_Ela não está sozinha a Louísa está com ela. _Disse Rafael.
_Piorou. _Disse Piedra.
_Isso é pra me incentivar a ir Rafa? _Perguntou João.
_Espero que não. _Disse Piedra.
_É sim, quanto pior melhor. _Disse Rafael sorridente.
_A gente não vai. _Disse Piedra.
_Minha irmã está lá sozinha. _Disse João se levantando.
_Sozinha não, com a Louise. _Disse Piedra se levantando.
_Piorou. _Disse João.
_Viu? Quanto pior, melhor. _Disse Rafael se levantando. _Eu dirijo!

Os três entraram correndo no carro e mesmo que Piedra se recusasse a ir a idéia de João ficar no mesmo carro que Louísa não a agradava, é melhor que tudo fosse supervisionado. Rafael estava adorando, quanto menos programado fosse melhor seria. João se preocupava com a irmã cada vez mais, não havia parado para pensar que ela estava na casa de um traficante. Vocês não entenderam. Um TRAFICANTE!
O nome pode assustar esses nobres corpinhos que o mais perto que chegaram de um real traficante foi abraçando um DVD do filme Cidade de Deus. André seguia o estilo Johnny, sabe aquele Johnny que não é Johnny? Esse mesmo. Um filhinho de papai que vendia droga só pros mais chegados, tudo muito discreto sem arma, sem nada, era só pra bancar suas festinhas como essa que estava acontecendo no moinho.
Moinho era o nome do condomínio de luxo onde João, Rafael, Piedra, Patrícia e Louísa moravam. O mais bonito e o mais custoso da cidade de Rosa Velha, que fazia divisa com a capital do estado, Porto Alegre. Rosa Velha lembrava Europa em qualquer detalhe: No clima, na arquitetura, na comida, nas pessoas, na moda. Ainda estava em desenvolvimento mais atraia a atenção de outras regiões por seu alto teor cultural. Ornada por muitos teatros, cinemas, museus, bibliotecas, casas de shows e espetáculos, Rosa Velha era o lugar perfeito para se viver bem. Todo o clima nórdico perdia sua magia quando se chegava ao condomínio Moinho que lembrava muito o estilo americano, casas sem muro e torneadas por madeira. O condomínio recebeu o nome graças a uma velha praça onde continha um moinho velho que foi reformado logo depois da construção das moradias ao seu redor. Como centro do condomínio a praça do moinho era o point jovem da elite do Rio Grande do Sul com alguns bares e uma boate que faziam a noite fria do sul ferver.
O endereço de André, “o traficante”, ficava ao norte do condomínio, numa das regiões menos visitadas, pois lá não havia muitas casas, predominava os lotes vagos sem proprietários.
Ao chegarem à porta do casarão que era o lugar da festa do André, os três desceram do carro e seguiram direto para dentro, onde surpreendentemente não havia ninguém barrando a entrada. Mal entraram e já perceberam que o lugar havia se tornado um antro das perdições, muito sexo, drogas e música eletrônica e suas demais variantes Psy, trance e outras derivadas. Imaginem o que seria o céu para Amy Winehouse, depois que imaginarem vocês terão em mente o que era aquele lugar.
_João vamos voltar pro carro agora. _Disse Piedra.
_Nem pensar, eu tenho que achar minha irmã. _Disse João.
_Boa sorte, ela deve estar por ai jogada no meio desse tanto de gente. _Disse Piedra.
_Talvez eles cremaram ela só pra cheirar as cinzas. _Disse Rafael que estava adorando tudo aquilo. _Diz que é maior barato.
_O quê, cheirar a minha irmã? _Perguntou João no meio da barulhada que fazia a música e os gemidos.
_Não. Cheirar só. Pó mesmo. _Disse Rafael.
_Tu não precisa Rafa, já nasceu drogado. _Disse Piedra.
_Vamos achar ela logo e sair fora daqui. _Disse João.
_Por favor. _Disse Piedra. _Aqui está fedendo a sexo.
_A gente já está ouvindo, sentindo o cheiro, agora só falta fazer não é. _Disse Rafael adorando ver aquele tanto de gente pelada.
_Credo guri, para de pensar nisso, tá precisando arrumar uma namorada urgente. _Disse Piedra.
_Para de conversar vocês dois e me ajudem a procurar a Patrícia. _Disse João, que agora definitivamente não estava mais gostando da situação.
_Ali tem gente em pé olha, naquela sala. _Disse Piedra.
_Vamos lá então. _Disse Rafael indo em direção a sala misteriosa.
Ao chegarem a porta da sala perceberam que o som ensurdecedor vinha de lá. Ali várias pessoas ainda, mesmo que aparentemente, sóbrias e conscientes dançavam sem parar.
_Eu vi a Pati. _Disse Rafael.
_Onde? _Perguntou Piedra mas João não ouviu.
Ele então avistou Louísa e correu até ela para perguntar sobre sua irmã.
_João aonde você vai? A Pati tá ali. _Disse Piedra.
_Vem Piedra vamos chamar a Pati logo e ir embora tá começando a me irritar esse monte de gente doidona. _Disse Rafael pegando a mão de Piedra e a arrastando pra perto de Patrícia.
João não percebeu que os dois se afastaram e continuou seguindo em direção oposta. Ao se aproximar de Louísa ela se aproximou do ouvido dela e gritou:
_Tu viu minha irmã?
_O quê? Eu não tô te ouvindo. _Disse Louísa.
_Você viu a Pati? _Disse João.
_Eu tenho 18 e tu? _Disse Louísa enganada.
_Hã? _Perguntou João.
_O que foi que tu disse? _Perguntou Louísa.
_Nada, Louísa sou eu João. _Disse João, segurando o braço da menina.
_Nossa. _Disse Louísa.
_O que foi? _Perguntou João.
_Eu to doidaça. _Disse Louísa. _Tô vendo meu ex-namorado no lugar de voe.
_Louísa sou eu, cadê a Patrícia? _Repetiu João segurando o braço de Louísa.
_Me solta tu tá me machucando. _Disse Louísa.
_Louísa fala cadê ela, a gente precisa ir embora daqui agora. _Disse João puxando Louísa pelo braço.
_Me solta, eu nem sei seu nome, me solta. _Disse Louísa.
_Hei pode soltar o braço da moça. _Disse André se aproximando rapidamente. _Não tá ouvindo a guria pedir não?
_Isso não é da sua conta. _Disse João ainda segurando o braço de Louísa e a puxando até a porta quando percebeu que Piedra e Rafael já não estavam por perto.
_Agora eu tô conhecendo você. _Disse André enfim de perto, cerrando os olhos para enxergar João na escuridão do ambiente. _Você é aquele mane que estudava lá no colégio, não é?
_Sou e daí? _Disse João puxando o braço de Louísa. _Vamos Louísa de uma vez.
_Eu repeti o ano por tua causa sabia? _Disse André levantando o pulso e batendo na palma da outra mão. _Não passou cola pra mim na prova, olha aí tô estudando até hoje.
_Problema é teu. _Disse João. _Agora me dá licença que eu estou resolvendo um assunto de família aqui.
_Me SOLTA! _Gritou Louísa.
Alguns que ainda tinham consciência do que estava acontecendo ao redor se viraram para Louísa e João e uma dessas pessoas era Piedra. A pobre encarou a cena e foi remetida a uma parecida cena há poucas horas antes.
_Então conversa com o papai aqui. _Disse André ao dar um soco em João.
E antes mesmo que ele pudesse responder, só viu a mão vindo em sua direção e segundos depois tudo estava escuro.

Ao abrir os olhos João sentiu o rosto arder como uma ferida aberta e percebeu pelo calor que escorria pelo seu rosto que ele provavelmente estava sangrando. Rafael e Piedra o carregavam até a saída do casarão, logo atrás Patrícia trazia amparada nos ombros a sua amiga Louísa. Ao chegarem na rua todos pararam diante do carro. Espantados, cocados, assustados. O carro estava detonado. Ele estava totalmente pichado e de vidro só sobravam os caquinhos espalhados pelo asfalto. Não tinha mais lanterna, nem step, nem retrovisor. Tudo quebrado. Com letras garrafais cores de laranja na lateral do carro estavam estampadas as palavras A TURMA DO BALÃO MÁGICO. Rafael olhou para Piedra por cima da cabeça de João que ainda cambaleava depois da pancada que levou e ela respondeu:
_Tá esperando o quê ô... Jairzinho? Vamos logo se não pode ficar pior. _Disse Piedra.
Os cinco entraram no carro e voltaram correndo para pacata e calma rua em que moravam. Depois de uma viagem curta e silenciosa, onde pode se dizer que aconteceu o momento mais constrangedor de todos entre cinco pessoas, todos ali tinham motivos para alimentar o climão. A rua solitária, preta e branca voltou a se encher de vida e cor pra começar pelo carro do Rafael. Todos desceram do carro e é lógico João e Louísa precisaram de ajuda. Ficaram os cinco ali admirando o céu estrelado, todos deitados no jardim de Rafael olhando atentamente o lindo azul escuro cravejado de branco como se algo mais pudesse acontecer. Um momento de calma que sucedeu a tempestade eletrizante daquela noite.
Mais ainda faltava cair um raio da tempestade.
Exatamente 5 minutos depois de ficarem ali repousados sobre a grama do jardim a calma da rua estava chegando ao fim. Se aproximava um carro. Rafael e Piedra, os únicos ainda inteiros da turma levantaram a cabeça para se certificarem do que era, ou de quem era o carro que se aproximava. Um Fusion preto parou diante da única casa da rua que ainda estava à venda. De dentro do veículo saíram duas mulheres e um menino, a mais jovem delas seguiu até a placa de vende se na frente do imóvel e a arrancou do chão com auxilio do garoto.
_Quem são esses aí? _Perguntou Rafael.
_Eu não conheço todos, mas uma ali não me é estranha. _Disse Piedra.
_Quem é? _Perguntou Rafael.
_É a mais nova, eu lembro do rosto dela, eu já vi em algum lugar, em alguma revista. _Disse Piedra se pondo a pensar.
_Vão mudar os três pra cá será? _Perguntou Rafael.
_Ah lembrei. _Disse Piedra.
_Quem é? _Perguntou Rafael.
_É aquela tal de Anne Marrie. _Disse Piedra.

Pacata e calma? Acho que é um título que essa rua pode abandonar a partir de agora.