domingo, 10 de agosto de 2008

Capítulo 15: Uma reprise da história de Anne Marrie

“Anne Marrie tinha certeza”. Pensou Olivier. “Os pais atrapalham tudo mesmo”. Afinal, que serventia eles tinham além de te colocar no mundo. Ou talvez isso, ser colocado no mundo era de fato um presente ou uma praga eterna. Olivier não queria que nada fosse tão eterno assim. Aquela conversa já estava indo longe demais.

_Porque você pensa que a vida é simples heim Luís? _Disse Anne zangada.

_Nossa vida é baseada de escolhas Anne, você só escolheu o lado difícil. _Disse Luís.

_Eu escolhi? _Disse Anne. _Acho que não tive opção.

_Você foi obrigada a matar ele? _Disse Luís. _Não! Não foi. Isso foi uma escolha sua, um erro que você cometeu. Sua vida gira em torno dessa escolha Anne.

_Eu não posso ficar aqui sentada esperando que as coisas cheguem até mim. _Disse Anne, enquanto segurava a mão de Olivier.

Luís caminhava de um lado para o outro, e Alice assistia tudo do cantinho da sala.

_Você já pensou que é quase impossível você recuperar seu filho? _Disse Luís. _Vinte anos Anne, vinte anos. Você não o perdeu no shopping, ele foi roubado de você, seja quem é que tenha sido não queria que você ficasse com essa criança.

_Isso então lhe parece justo? _Disse Anne. _É disso que eu estou falando, tudo pra você é muito cômodo. É fácil dizer isso quando seus filhos estão aqui perto de você.

_Mas é por eles que estou aqui discutindo com você. _Disse Luís. _Levar Olivier paro o sul está fora de cogitação.

_Por quê? _Disse Olivier, que até àquela hora não tinha falado muita coisa, com medo da represália do pai.

_É! Por quê? _Questionou Anne.

Luís revirou os olhos, olhou para Alice pedindo ajuda.

_Como porque? _Disse Luís. _Anne você parece que não cresceu, tem a mesma idade de vinte anos atrás. Agora eu entendo seu pai, quando ele falava de você. Você tem noção do que está me pedindo Olivier?

_Tenho pai. _Disse Olivier.

_Tem nada, você só está deslumbrado com a idéia de não morar com seus pais, é pior do que você imagina. _Disse Luís.

_Nada pode ser pior do que viv... _Tentou Olivier.

_Nem me venha com essa conversa de que nada está bom. _Disse Luís. _Porque pra vocês jovens, é assim heim. Tudo é ruim, nada é bom o bastante. Mas do que eu e sua mãe tem...

_E você nem me venha com essa conversa de ingratidão, eu não estou renegando nem você nem a mamãe, agradeço tudo, todos os dias a vocês. _Disse Olivier. _Mas eu tenho outros planos pra mim pai, eu quero seguir minha vida, voar sozinho.

_Olivier, meu filho eu entendo isso. Mas olha a sua idade, você nem terminou o colégio. _Disse Luís.

_É por isso pai, a oportunidade que eu estou tendo é única. _Disse Olivier. _Se eu deixar essa passar, tenho medo de me acomodar, de não acreditar em mim.

_Olivier a vida não é feita só de sonhos não, a gente tem que ter os pés no chão de vez em quando. Os que sonham são aqueles que podem. _Disse Luís.

_E porque eu não posso? _Perguntou Olivier.

_Luís, você não pode impedir o menino de sonhar. _Disse Anne.

_Oh Xuxa, nem me venha com seu discurso “nunca desista do seu sonho” porque isso não cabe agora nessa conversa. _Disse Luís.

_Lógico que cabe, nós estamos falando do sonho dele. _Disse Anne. _Todos deveríamos seguir em busca dos nossos sonhos.

_É, e veja onde você parou. _Disse Luís baixinho.

_Luís! _Disse Alice, com seu tom irritantemente calmo. Mas todos ali já estavam acostumados a essas pontuadas interrupções.

_Mãe? _Pediu Olivier a intervenção de Alice.

Alice fez sinal com os ombros, lamentando não poder dizer nada sobre o assunto. Luís percebeu o recolhimento da mulher e perguntou:

_Alice, o que você acha?

Alice se assustou com a oportunidade oferecida.

_Olha, eu acho tudo meio precipitado. _Disse Alice para alegria de Luís, mas ela continuou. _uma mudança assim no meio do ano letivo vai prejudicar a carreira dele.

_O quê? _Questionou Luís. _Então você concorda com os dois?

_Não é isso que eu quis dizer. Só acho que nada pode ser decidido assim no susto, se nós esperássemos com mais calma, é só termos paciência. _Disse Alice.

_Mas mãe, pra eu entrar nessa escola de artes de lá, eu preciso estudar muito, vou fazer uma prova e um teste de talento, preciso preparar uma obra. _Disse Olivier. _Se eu continuar aqui estudando não vai dar tempo de eu me preparar.

_Você nunca encontrou dificuldades para pintar aqui. _Disse Luís. _Estudar não vai ser difícil.

_Mas para quê ele vai terminar o primeiro ano agora, sendo que ano que vem, se ele for pra lá, ele vai ter que repetir tudo de novo? _Disse Anne.

_E porque ele tem que repetir o ano? _Perguntou Luís.

_Pai, você realmente acha que o primeiro ano que eu faço aqui é parecido com o de lá. _Disse Olivier. _Se eu entrar direto no segundo ano lá, eu já vou ter perdido muita coisa. Meus colegas de sala vão ter uma base que eu não tenho.

_Mas você se diz tão bom, pra quê precisa de uma base? Acho que a que você tem já é o suficiente. _Disse Luís.

_Luís? _Disse Alice.

_Está bem. _Começou Luís.

Olivier e Anne se encheram de esperanças ao ouvirem essas palavras.

_Agora vamos dar um tempo com essa conversa, está bem? _Continuou Luís.

Todos olharam para Luís, sem entender.

_Mas e aí pai? Eu vou ou não? _Perguntou Olivier.

_Não ficou claro até agora? _Disse Luís.

Todos continuaram a encará-lo.

_Você não vai Olivier. _Disse Luís friamente.

_Mas pai, isso é injusto. _Disse Olivier. _Você não ouviu até agora o que a gente falou. Nós demos motivos o bastante pra voe me deixar ir.

_Olivier, esse seu pedido não tem cabimento, se você quiser ir vamos pensar se será quando o ano terminar, mas até lá você vai continuar aqui em São Paulo. _Disse Luís. _Isso é minha palavra final.

_Mas isso não é justo. _Disse Olivier.

_É por isso que eu sou o pai e você o filho. _Disse Luís.

_Mas a opinião da mamãe também conta. _Disse Olivier, implorando a mãe pelo olhar.

Todos olharam para Alice, que se sentiu desconfortável em ter que decidir.

_Filho, o seu pai tem razão. _Disse Alice. _Afinal de onde surgiu essa vontade repentina de ir pro sul, não tem sentido. Perder um ano de escola é desperdice, em troca de quê?

Luís sorriu para a mulher e estendeu a mão para pegar na dela.

Isso não era verdade, Olivier tinha muitos motivos, desconhecidos por todos, para se mudar para o sul. A razão daquele choro mais cedo ainda não ficou clara para ninguém. A idéia de estudar arte foi uma ótima desculpa, para outras reais razões.

Olivier estava desesperado, sim ele estava. Ele precisava sumir por um tempo, mas sumir por dois ou três anos era melhor ainda. Num ato de total desespero, na tentativa de salvar sua pele, ele não viu outra opção a não ser dizer a verdade. Mesmo uma parcela dela, iria chocar os pais, essa mesma parcela que Anne ouviu no quarto naquela tarde. Mas o segredo é mais terrível do que todos possam imaginar.

_A tia Anne mentiu. _Começou Olivier encarando o chão.

Luís parou onde estava se virou devagar e foi imitado por Alice. Anne se virou para ele e arregalou o olho.

_O quê? _Perguntou Luís.

_Minha tia mentiu pra me ajudar. _Disse Olivier.

Anne sabia do que estava por vir, e tentou amenizar as coisas:

_É eu menti.

E novamente a boca dela não obedeceu.

_Mentiu sobre o quê, Anne? _Perguntou Alice.

_Eu menti? _Se questionou Anne.

_Ela mentiu pra me ajudar, mãe. _Disse Olivier.

_A história da escola de artes é verdade, inclusive foi ela que deu a idéia. _Começou Olivier, segurando a mão da tia. _Mas não é por isso que eu quero ir para o sul.

Luís virou o olho.

_O que está acontecendo aqui, afinal? _Perguntou Luís.

_Eu sempre fui um bom filho não fui? _Começou Olivier com os olhos molhados. _Todos sempre se orgulharam de mim, vocês sempre se orgulharam de mim.

_Sim filho claro. _Disse Alice já começando a se emocionar.

_Vocês sempre me conheceram como eu sou. _Disse Olivier deixando escapar um fio de água dos olhos. _Eu não sou mal, nunca briguei, nunca dei trabalho a vocês.

_O que você está tentando dizer? _Perguntou Luís já prevendo o fim daquela conversa.

_Ele está querendo dizer que ele é um filho exemplar, um menino lindo, uma pessoa maravilhosa. _Disse Anne. _E não importa o que ele seja, vocês devem amá-lo.

_Calma tia! _Pediu Olivier.

Havia chegado a hora. Alice olhava para Luís com os olhos cheios de água, Luís retribuía o olhar emocionado da mulher com firmeza.

_Quero que vocês entendam que isso não se trata de uma escolha. _Disse Olivier buscando forças por dentro ao fechar os olhos. _Eu não posso agora explicar o motivo de se nascer assim, só acontece.

_Olivier não precisa fazer isso. _Disse Anne a fim de aliviar uma torturante confissão.

_Tudo bem tia, eu sou capaz de fazer isso por mim. _Disse Olivier.

Todos respiraram fundo e Olivier elevou o peito ainda mais, ajeitou as letrinhas uma a uma afim de formar a frase antes na cabeça, com medo de que ela agarrasse na garganta antes de sair.

_Filho não precisa dizer nad... _Tentou impedir Alice.

_Eu sou gay. _Disse Olivier rapidamente. Quem chegasse naquele momento na sala não iria entender uma palavra se quer, mas todos ali já as previam.

O silêncio foi esmagador. Olivier parecia ter apertado um botão mágico, imaginário, que congelou o tempo.

Anne encarava as mãos no colo, Alice tentava segurar as lágrimas nos olhos e enquanto Luís. Ah o Luís. Esse teve a mais inesperada reação. É certo que é chocante para um pai saber que seu filho é gay, nessas horas todos eles se perguntam o que eu fiz de errado. Mas Luís Vasconcelos não era assim, a mais de vinte anos atrás ele mantinha um hospital voluntário na periferia de São Paulo, então depois dessa reação eu pergunto: Onde está aquele garoto que acreditava nos sonhos, tão liberal e mente aberta?

Luís se desgarrou da mulher e saiu pela porta da frente, tão rapidamente que só deu tempo de pegar o casaco no cabide e se mandar pra rua. Alice olhava para porta e para carinha de Olivier sentado no sofá, sem saber o que fazer, para onde correr. E a escada pareceu um caminho mais curto para reflexão.

_Eu vou atrás dela. _Disse Anne ao se levantar do sofá e seguir a irmã escada acima.

E Olivier continuou sentado, sem reação. Seu olhar fixou um só ponto e as lágrimas caíram lentamente. Minutos depois a sala escureceu, uma escuridão total assolou o lugar. Era o pior lugar para se estar numa dessas situações, um lugar que era tão aconchegante ficaria agora marcado para sempre na memória dele, como o lugar que ele nasceu de novo. Ele só esperava que essa vida fosse melhor, mas não se enganem achando que ele ficou abalado com a reação, ele já esperava o pior. E olha que isso nem foi tão horrível, digo, não teve palavrões, nem alteração de voz. Bom até aquele momento não né!? Era estranha a sensação de ser livre. Agora que todos já sabem será que algo vai mudar? Olivier desejava que não. Confuso? Afinal ele decidiu falar para tudo mudar, não foi? Mas depois de feito. De tudo ser esclarecido, é tudo mais simples, e o bicho de sete cabeças vira um dócil animal. Mudanças são boas concordo, mas dependendo do que se muda, elas podem magoar.

Triste não? Aquele era um momento em que Olivier se sentia sozinho, mas estava feliz por isso. Ele contemplava o nada e mesmo que as lágrimas descessem não de tristeza, mas de adrenalina, ele não preferia outro lugar no mundo para estar naquele momento.

Rio grande do sul foi palco de uma guerra: A guerra dos farrapos também conhecida como Revolução Farroupilha. Vocês se perguntam: O que isso tem a ver com a história? Só estou citando o lugar em que uma batalha irá começar, a cavalaria já chegou e dessa vez dispensou os cavalos e se renderam aos prazeres da globalização. Vieram num jatinho fretado. Anne e Olivier desembarcaram na semana seguinte a reunião de família em São Paulo. Luís voltou depois de uns dez minutos calmo e sereno se trancou com Olivier no quarto e lá os dois ficaram pelo resto da noite, então ele decidiu deixar o filho se mudar para o sul com a tia, o que Olivier disse pra convencer o pai só Deus sabe. Alice não fez objeções. A homossexualidade do filho não incomodou a nenhum dos dois, pelo menos eles não mostraram isso. E mais uma vez ai está ele pra quebrar qualquer tabu, qualquer geleira, pra derrubar qualquer muro, inclusive do preconceito: O amor.

Ah o amor! Uma palavra de apenas quatro letras, mas com tanto significado. Carma dado de presente ao homem por Deus. Todos os dias nos jornais, é marido que matou mulher por ciúme, amante por ciúme, filho por ciúme. E quem é o culpado? O amor, o bendito amor. Certo que a maioria deles não se encontrava em suas melhores condições mentais, mas amor não escolhe. Seja o pobre doido ou sadio, ele vem como o vírus da gripe, ataca sem aviso, faz você ficar de cama e no fim vai embora. Queria Anne um Benegripe pra curar dor de amor.

Ao saírem do aeroporto Lá estava ela, Juliana. Os anos não fizeram muito bem para ela. Ela estava um pouco mais gorda, mas muito bem para sua idade. Mas comparemos Anne e ela, e é humilhação na certa. No rosto as evidentes aplicações de botóx. Os três entraram no carro depois das apresentações e seguiram pela cidade adentro.

Olivier não podia estar se sentindo melhor, fora de casa, morando com a tia que ele amava tanto, assumido sexualmente, prestes a entrar em uma escola de artes e realizar seu sonho, e por fim o real motivo que o levou para o sul do país: Poder viver ao lado de seu namorado. Com a mudança de Juca para o Rio Grande do Sul, a singela relação entre os garotos virou pó. Explicado as lágrimas?

Só que tem gente com outros planos ao se mudar e namorar um rapaz não é um deles.

Estou vendo no horizonte, se aproximar cada vez mais, uma triste história de amor, me digam vocês qual não é? Os protagonistas dessa aventura amorosa mal imaginam o que lhes aguarda nesse novo estado. Acho que a história de Anne Marrie vai se repetir. Olha! Rimou.

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